Patentes do início do século 20 revelam achados como máquina de votar e patins aquáticos

Registros digitalizados por autarquia federal refletem os anseios da sociedade e como eram as necessidades daquela época

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São Paulo

Um cofre iluminado que flutua em caso de acidente náutico pode fazer pouco sentido nos dias atuais, mas provavelmente seria útil no início do século 20, quando o mar era temido e as viagens longas eram realizadas exclusivamente por navios. Ou, ainda, um assento de vaso sanitário que se esterilizava chegando a 250ºC, já que uma das preocupações da época eram bactérias e cuidados com a higiene.

Essas são algumas das 3.200 patentes históricas digitalizadas pelo Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), reveladas pela Folha na série Invenções do Brasil, que chega ao seu segundo capítulo.

Datados de 1895 a 1929, os achados também incluem uma variedade de curiosidades. Um hidro-patins para caminhar sobre o mar; um projetor de propaganda, ao estilo Batman; e um umidificador de edifícios que pulveriza a água são alguns exemplos.

Foram encontrados também registros de coisas mais cotidianas, similares com as da atualidade, como máquina de lavar roupas ou louças, cadeira de dentista, pincel para fazer barba e saboneteira líquida de parede.

Mãos com luvas azuis seguram documentos antigos, com um lápis em uma delas
Funcionária do Inpi realiza processo de digitalização de patentes históricas que datam de 1895 a 1929 - Divulgação/INPI

Para a servidora Flávia Romano Villa Verde, chefe da Divisão de Documentação Patentária do Inpi, esses registros revelam os anseios daquela sociedade e quais eram as necessidades cotidianas da época.

Ela citou como exemplo a máquina de lavar roupas, batizada de Eureka, que teve a patente concedida no Brasil ao industrial espanhol Luís Soria y Hernandez em 1923.

"Ela é curiosa porque tinha dois tambores e um fogareiro embaixo, muito diferente das atuais. Mas tinha semelhanças, como um sistema de água circulante e de regulagem de temperatura de lavagem. Outros registros também são peculiares pelas similaridades surpreendentes com os produtos modernos."

A pesquisadora também destacou inventos que retratavam temores da época, como o cofre flutuante com farol que acendia automaticamente em caso de emergência, com patente concedida ao engenheiro italiano Nicola Santo em 1919, sete anos depois da tragédia do transatlântico Titanic.

Outro invento foi o chamado hidro-patins, espécie de bota com rodas que permitia deslizar pela água. Essa é a patente brasileira de número 10 mil, concedida em 1918 ao comerciário brasileiro Franklin Barroco.

Em 1906, a preocupação com uma votação mais prática já existia, a ponto do industrial italiano Eugenio Boggiano patentear uma máquina de votar, que prometia garantir sigilo da escolha com um mecanismo que envolvia uma ficha de metal colocada em fendas e que depois eram misturadas a outras para garantir o sigilo.

De acordo com Ricardo Nunes, advogado especializado em patentes do escritório Daniel Advogados, "alguns inventos parecem estranhos. Mas mesmo que não se viabilizem comercialmente, mostram como a inovação pode ser surpreendente".

Ao especialista chamou a atenção uma das ideias, patenteada em 1914 pelo estudante brasileiro Horácio Marinho da Silva que, para ele, seria um modelo que lembra o Spam de hoje. Trata-se de método de fazer anúncios e reclames impressos por meio de bilhetes de papel dobrado, como telegramas.

Isso obrigava a leitura pelo destinatário, segundo escreveu o autor do invento na patente, já que seria exigido um recibo destacado do próprio bilhete, para ter certeza da entrega.

"Quando o anúncio ou o reclame é 'forçosamente lido', como diz o inventor no registro, eu considero que esse sistema seja o precursor do Spam", afirma o advogado.

Um eletricista brasileiro também teve uma ideia curiosa, um despertador elétrico, patenteado em 1919 por Manoel Fernandes de Souza. Ele adicionou pequenas saliências metálicas em um relógio comum para marcar as horas, meias horas e quartos de hora.

Ao ajustar um ponteiro em um mostrador extra para a hora desejada, o relógio fechava o circuito, acionando uma campainha. Isso permitia usar um único equipamento para definir alarmes em diferentes horários e lugares.

Outro inventor brasileiro, o cirurgião dentista Gorasil Brandão, teve em 1922 uma patente concedida a um aparelho para extrair a raiz de dentes de forma mais prática, especialmente em casos mais complexos, feito com uma espécie de alavanca, método que caiu em desuso e foi substituído.

Inventos curiosos são importantes, mas muitas vezes passam despercebidos em nosso cotidiano, de acordo com Julio César Castelo Branco Reis Moreira, presidente do Inpi.

"A propriedade intelectual desempenha um papel significativo em nossa vida diária, impactando desde objetos simples até avanços tecnológicos e econômicos."

Moreira cita como exemplo interessante do dia a dia a saboneteira líquida de parede, uma invenção que teve a patente concedida ao industrial português J. R. Pires em 1918 e ainda é utilizada em banheiros públicos no Brasil.

Essa inovação que, na opinião dele, pode parecer trivial, na verdade é protegida por direitos de propriedade intelectual. "Quando a utilizamos, estamos contribuindo para os inventores receberem seus devidos royalties."

Desenho antigo mostra uma saboneteira líquida, redonda, acoplada na parede
Saboneteira para sabão líquido acoplada às paredes, cuja patente foi concedida ao industrial português J. R. Pires, em 1918 - Divulgação/Inpi

Entre 1895 e 1929, o Brasil passava por mudanças significativas, como o início da industrialização, incentivos à ciência pelo imperador dom Pedro 2º (1825-1891), liderança mundial na produção de café e estradas estavam sendo abertas em alguns estados, como São Paulo.

Isso e o fato de o Brasil ser o quarto país do mundo, segundo o Inpi, a criar uma lei de proteção à propriedade intelectual (prática herdada quando o país ainda era colônia de Portugal), poderiam ter chamado a atenção de cientistas para protegerem seus inventos no país.

O Brasil era visto como uma potência comercial, quando o capitalismo tomava forma no mundo, e isso atraiu investidores estrangeiros, segundo Leandro Malavota, professor da Academia da Propriedade Intelectual do Inpi.

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