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Participação de mulheres em patentes cresce nas universidades, mas ainda é tímida

Instituto responsável por conceder propriedade intelectual diz que ainda não há dados por gênero

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São Paulo

Apesar de a participação das mulheres cientistas em patentes ainda ser tímida no Brasil, essa é uma situação comum na carreira de Alane Vermelho, professora titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Sua propriedade intelectual mais recente é um pigmento natural para ser usado em produtos cosméticos como batons e esmaltes, muitas vezes coloridos por produtos sintéticos, alguns contendo metais pesados e tóxicos.

A preocupação em realizar pesquisas para a produção de tecnologias limpas é antiga e move a docente, que já tem outras patentes registradas. O novo produto que ela criou é biodegradável, portanto, saudável para o ser humano e para ao planeta, segundo ela, e está em fase de comercialização.

"Como cientistas, nós temos um papel a prestar com a sociedade. Há anos trabalho com produtos que não agridem o ambiente. A gente fica pensando até quando o planeta vai aguentar", afirma a professora de 65 anos, que diz haver um movimento importante para aumentar a inclusão de mulheres em patentes.

De acordo com Luciana Hashiba, vice-coordenadora do Centro de Inovação da FGV/EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), as patentes são instrumentos de proteção da propriedade intelectual de pesquisa ou projeto tecnológico, cujo empresas podem ter interesse comercial, para que não sejam usados por concorrentes ou outras pessoas sem consentimento.

Mulher branca usa jaleco enquanto está sentada em uma mesa cheia de esmaltes e pequenos vasilhames com pigmentos de várias cores
A professora Alane Vermelho em laboratório da UFRJ, unidade Fundão, no Rio de Janeiro, onde desenvolveu com sua equipe um pigmento natural para esmaltes e batons; com isso, ela conquistou mais uma patente - Eduardo Anizelli/Folhapress

Alane é uma das cientistas representadas em pesquisa inédita realizada pela Inova UFRJ, núcleo de inovação e tecnologia da universidade carioca, que revela a participação das cientistas nas patentes da instituição.

Segundo a mostra, 87% dos pedidos de propriedade intelectual formulados pela universidade carioca entre 2017 e 2021 têm ao menos uma mulher listada entre os inventores. A universidade também concentra a maior proporção de inventoras em patentes, 46%, de acordo com análise no mesmo período. Do total de 816 cientistas, 373 são do sexo feminino contra 443 do masculino.

A diretora da Inova UFRJ, Kelyane Silva, afirma que o mapeamento tinha a intenção de diagnosticar como estava a participação das mulheres em patentes na instituição para elaborar políticas públicas mais eficientes.

"O resultado foi bem expressivo. Cada vez mais as mulheres estão se envolvendo, mas esse ramo ainda é dominado por homens. Tanto é que dentro da UFRJ, a maioria dos cientistas é do sexo masculino. Mas quando olho por patente [em grupo ou exclusiva], o número de mulheres sobe para 87%."

Kelyane dá outros dados sobre as patentes na UFRJ. Do total de 148 concedidas no mesmo período da análise, 129 tinham a participação de mulheres como inventoras, enquanto 19 delas eram compostas apenas por homens.

A professora titular da Universidade Federal do Ceará Claudia do Ó Pessoa, que também é pesquisadora do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), tem com sua equipe quatro patentes concedidas pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) no último ano na área farmacêutica, com ênfase em produtos ou processos no tratamento câncer.

Mas, para ela, embora a presença de mulheres na ciência tenha crescido nos últimos anos, ainda permanece com acentuado desnível quando se examina a presença feminina no protagonismo dos projetos científicos e no processo de inovação.

Em sua opinião, isso se reflete na atividade de patenteamento, em que a participação das inventoras permanece ínfimo em comparação com a dos homens. "O número desigual de patentes sugere que menos mulheres têm a chance de desenvolver algum invento devido às barreiras que enfrentam para avançar nos campos da ciência e áreas tecnológicas", afirma.

Ela prossegue: "menos atenção é dada à inovação desenvolvida por mulheres em determinada área porque o campo empresarial é majoritariamente masculino e a participação das cientistas como protagonista no ambiente empreendedor é inexpressivo. Portanto, as mulheres por vezes não se sentem inseridas como líder do processo de inovação".

Mulher branca, de roupa clara, posa sorridente em frente à entrada da Universidade Federal do Ceará
A pesquisadora e professora titular da Universidade Federal do Ceará Claudia do Ó Pessoa, junto com sua equipe, teve quatro patentes concedidas no ano passado na área farmacêutica, relativas a produtos ou processos no tratamento câncer - Jarbas Oliveira - 31.jul.19/Folhapress

Na Ufscar (Universidade Federal de São Carlos), no interior de São Paulo, os homens inventores também predominam. Considerando apenas docentes, pesquisadores, pesquisadoras, estudantes de graduação, pós graduação e técnico-administrativos com vínculo com a instituição, os cientistas são 459, enquanto as mulheres são 263.

Do total de 1.529 pedidos de patente solicitadas desde 1987 pela USP (Universidade de São Paulo) ao INPI, 956 possuem uma ou mais mulheres no quadro de inventores, um índice de 62,5%, entre professoras, alunas e funcionárias.

Luciana, da FGV, afirma que há movimentos para aumentar a participação das mulheres em patentes, mas não na velocidade desejada para haver um impacto mais forte.

Ela, que afirma já ter passado por constrangimentos por ser mulher, avalia que o sexo feminino enfrenta obstáculos na carreira, como a falta de incentivo para a área tecnológica, vista como masculina.

Além do mais, ela diz, muitas sofrem preconceito e temem a instabilidade por ter que fazer pausas na carreira, como quando, por exemplo, decidem ser mães. "Isso tudo reflete nas patentes, que são apenas o final de uma cadeia de educação e pesquisa."

A UnB (Universidade de Brasília) afirma em nota que todas as docentes, discentes e servidoras de seu grupo de pesquisadoras desempenham papel fundamental na concepção de novas tecnologias.

Para resguardar os direitos de propriedade intelectual da UnB, o Núcleo de Propriedade Intelectual realiza a proteção dessas tecnologias em diversos ramos da propriedade intelectual e possui mais de 700 tecnologias desenvolvidas e protegidas junto ao INPI (veja abaixo mais detalhes desta e de outras instituições).

Questionado sobre o número de mulheres em patentes no país, o INPI afirmou que sua base de dados não permite a filtragem automática dos dados por gênero, já que não há um campo específico para isso.

Mas, em nota, o INPI disse que está trabalhando no desenvolvimento de metodologias para que possa, em breve, estratificar os dados dessa forma. A autarquia federal destacou ainda que avança nessa questão por meio do Comitê Estratégico de Gênero, Diversidade e Inclusão, instituído no ano passado.

Confira abaixo outras universidades:

SUDESTE

USP (Universidade de São Paulo)
- Tem 1.529 pedidos de patente no país
- Desses, 956 (62,5%) possuem uma ou mais mulheres no quadro de inventores
- Entre elas, estão professoras, alunas e funcionárias

Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)
- São 1.028 homens (59,59%) e 697 mulheres (40,41%) que participam das patentes da universidade
- Desses, com vínculo à universidade, há docentes, alunos, pesquisadores e funcionários
- Entre os inventores de tecnologias em cotitularidade com outras instituições, são 1.456 homens (60,57%) e 948 mulheres (39,43%)

UFSCar (Universidade Federal de São Carlos)
Nos dois casos abaixo, há a participação de docentes, pesquisadores, estudantes de graduação e pós-graduação e técnico-administrativos:
- Vínculo com a UFSCar mais parceiros de outras universidades e empresas: são 805 homens e 450 mulheres
- Com vínculo apenas com a UFSCar: 459 homens e 263 mulheres

Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo)
Atualmente, há 13 patentes concedidas, todas com a participação de uma ou mais mulheres


CENTRO-OESTE

UnB (Universidade de Brasília)
Nos três casos abaixo, há a participação de docentes, discentes e servidoras:
- Das 285 patentes nacionais e 90 internacionais protegidas, 589 mulheres fazem jus como inventoras
- Dos 241 programas de computadores protegidos, 239 mulheres assinam como autoras
- Dos 27 desenhos industriais protegidos, há 40 mulheres

NORTE

UFT (Universidade Federal do Tocantins)
- Há cinco patentes concedidas pelo Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) e as mulheres só aparecem como coautoras em três

Ufam (Universidade Federal do Amazonas)
- Há 16 mulheres com registros de patentes, individual ou em equipe, em 2018, 2021 e 2022


NORDESTE

UFC (Universidade Federal do Ceará)
- De 41 patentes concedidas pelo INPI, 31 contaram com a participação de mulheres, seja como autoras principais ou colaboradoras

Ufal (Universidade Federal de Alagoas)
- Entre 2007 e 2023 foram concedidos 13 pedidos de patentes a grupos de pesquisadores com mulheres coautoras

UFPE (Universidade Federal de Pernambuco)
- Atualmente são 465 pedidos de patente de invenção e de modelo de utilidade, inclui cotitularidade
- Desse total, 374 foram feitos por equipes que têm em sua composição inventoras
- Dessas solicitações, 30 Cartas Patentes foram expedidas pelo INPI, das quais 20 contam com mulheres na equipe

UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
- Em 2022, foram 13 concessões de patentes, que envolvem 49 cientistas (19 mulheres)
- Dessas, três não tiveram participação de mulheres
- Os pedidos de patente no mesmo período foram 25 (de 124 cientistas, 39 eram mulheres)

Fontes: universidades

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