As plantas são inteligentes? Se sim, o que isso significa para a sua salada?

Novo livro, publicado nos Estados Unidos, analisa como elas percebem o mundo

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Elizabeth A. Harris
The New York Times

Zoë Schlanger era repórter e cobria a mudança climática –lidando com uma avalanche diária de ocorrências de enchentes, incêndios e outros desastres naturais– quando começou a se interessar por publicações sobre botânica para relaxar. Foi ali que descobriu algo surpreendente: os pesquisadores estavam discutindo se as plantas têm inteligência própria.

O milho, por exemplo. É uma das várias plantas que conseguem identificar as espécies de lagarta que as atacam por sua saliva e produzir nuvens de compostos químicos, atraindo assim o predador do inseto. Alertada pelos odores, a vespa parasítica chega para destruir a larva, protegendo o milho.

Plantação de milho em Buda, Illinois, nos EUA - Daniel Acker - 6.jul.18/Reuters

"Um dos grandes debates atuais é se as plantas têm ou não algum tipo de intencionalidade, e se esse é um elemento necessário para que a criatura seja considerada inteligente. Há quem diga, porém, que o importante não é nem identificar propósito nos vegetais; o que vale é observar o que fazem, ou seja, tomar decisões em tempo real e planejar o futuro", disse Schlanger, que hoje escreve para a revista TheAtlantic.

Depois disso, ela passou os anos seguintes explorando o comportamento das plantas para compor seu livro, "The Light Eaters: How the Unseen World of Plant Intelligence Offers a New Understanding of Life on Earth" (os comedores de luz: como o mundo invisível da inteligência vegetal oferece uma nova compreensão da vida na Terra), publicado nos Estados Unidos neste mês.

A entrevista foi editada e resumida por questões de espaço e clareza.

Conte algo surpreendente que as plantas fazem.
O que realmente me fascina são as formas como manipulam os animais em benefício próprio. A Mimulus guttatus amarela, por exemplo, engana a abelha com o pólen para atraí-la. O inseto faz um "processo de triagem", vamos dizer assim, analisando as substâncias químicas voláteis eliminadas pelas flores, que indicam quanto pólen há ali. Pois bem, essa flor bolou um jeito de não precisar fazer esse trabalho de produção, que é custoso, além de demandar muita energia; ela simplesmente elimina as substâncias. A abelha vem e vê que não tem nada ali, mas a essa altura já aconteceu a polinização.

Tem também uma infinidade de truques sexuais que algumas orquídeas usam e que acho fantásticos. Algumas desenvolvem uma pétala bem diferente, comprida, com um pequeno bulbo na extremidade. A vespa macho chega e se agarra a ela porque elimina um feromônio quase idêntico ao da vespa fêmea.

Orquídea no Jardim Botânico no Nova York, nos EUA - Angela Weiss - 26.fev.23/AFP

Gosto dessa história das que atraem predadores.
Pois é. Já nos anos 1990, os pesquisadores perceberam que o milho e o tomate conseguem sentir a saliva da lagarta que devora suas folhas e produzem elementos químicos para atrair a vespa parasítica certa, que chega e deposita seus ovos na larva. Claro que eles eclodem, devorando a lagarta de dentro para fora, "colando" seus casulos na parte externa de seu corpo. É comum ver muita carcaça coberta pelos alvéolos.

A que os cientistas se referem quando falam sobre "inteligência" nas plantas?
Elas ficam o tempo todo fazendo cálculos, assimilando os aspectos do ambiente à sua volta e ajustando a vida de acordo com eles, em um processo parecidíssimo com o que consideramos inteligência –em uma forma de vida totalmente estranha. É mais ou menos assim que devemos encarar a coisa. Não estamos falando de inteligência segundo nossos parâmetros, mas é algo que se destaca de formas que são apropriadas para elas no âmbito evolutivo.

Quer dizer então que ninguém está falando que a samambaia vai escrever um poema ou fazer a lição de matemática?
Ainda não! Embora os pesquisadores que estudam a comunicação entre elas falem sobre a presença de sintaxe e, de certa forma, a estruturação de sentenças. Mas se referem a química, compostos químicos voláteis que, no ar, ganham significado.

Qual a percepção que as plantas têm do mundo? Elas interagem com os sons?
Em uma pesquisa que está sendo desenvolvida, os cientistas produzem diferentes tons e já perceberam que alguns fazem com que elas acelerem a produção de determinadas substâncias. Tem um que, quando emitido por determinado período, faz com que o brócolis aumente o volume de antioxidantes; outro leva os brotos de alfafa a reforçar a quantidade de vitamina C. Dá para ver –a partir do momento em que entenderem melhor o processo– que podemos ajustar o conteúdo nutritivo de determinada cultura mediante os estímulos dos tons.

E não é só isso, não; o som certo também pode fazer com que gerem mais do próprio pesticida, o que não deixa de ser muito interessante quando se pensa na quantidade de veneno que usamos na agricultura.

Mudou seu comportamento de alguma forma depois de passar tanto tempo pensando nisso? Sente alguma dificuldade para comer salada agora?
Somos animais e precisamos comer plantas, isso é óbvio; não tem jeito. Mas dá para imaginar um futuro com práticas de plantio e colheita mais afinado com o estilo de vida da planta, aquilo de que ela é capaz e o que é propensa a fazer, o que abre um mundo totalmente novo de ética vegetal. Como seria o mundo se incluíssemos as plantas no cenário moral? Várias culturas já se baseiam nisso. Robin Wall Kimmerer (autora do livro "Braiding Sweetgrass") escreve muito sobre o tema, como a ciência indígena deixa um espaço muito maior para os questionamentos sobre as plantas, baseados no respeito e no interesse mútuo.

O que quer que o leitor leve da sua obra?
Pensar na inteligência das plantas é ter a consciência de quanto participam ativamente da própria vida. Elas têm um nível de arbítrio, ainda que não tenha nada a ver com o nosso, e isso é muito revelador.

Todas as criaturas querem viver. Perceber isso me ajudou a voltar às reportagens climáticas com uma consciência muito maior daquilo que está em jogo se não controlarmos o aquecimento global. Todas, absolutamente todas as espécies são fenômenos biológicos engenhosos –e seria uma tragédia perdê-las para a extinção.

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