Adriana Fernandes

Jornalista em Brasília, onde acompanha os principais acontecimentos econômicos e políticos há mais de 25 anos

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O populismo com a carne venceu

Presidente da Câmara, Arthur Lira, foi coerente ao chamar de insanidade desonerar a carne

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O populismo em favor do lobby do agronegócio e dos supermercados falou mais alto na votação do projeto de regulamentação da reforma tributária na Câmara dos Deputados com a inclusão das carnes na cesta básica nacional, que reunirá produtos com imposto zero.

A população mais pobre e demais contribuintes que não pertencem à camada mais rica da população vão pagar a conta.

Não há dúvida sobre isso, apesar da bandeira puxada pelos quase 500 parlamentares que apertaram o botão do sim para a carne entrar na cesta básica. O placar foi acachapante: 477 a 3.

Com isso, a alíquota dos novos impostos ficará mais alta para todos. Porque a matemática da reforma é simples e não se submete às narrativas fabricadas nas redes sociais.

BRASILIA, DF,  11-07-2024 (FOTO  Gabriela Biló /Folhapress)
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). - Gabriela Biló/Folhapress

Quanto mais exceções são dadas por meio de tributação reduzida ou zerada, maior será a alíquota geral resultante para pobres e ricos. A carne com imposto zero terá impacto de pelo menos 0,53% na cobrança geral, que caminha na direção da mais alta do mundo.

Os grandes grupos empresariais que brigaram para zerar a alíquota usaram os pobres como desculpa para garantir a desoneração integral da proteína animal.

O Congresso abraçou a causa com aplausos entusiasmados nos minutos finais da votação na última quarta-feira (10). Foi uma festa da insensatez.

Estudos de acadêmicos de especialistas na área tributária e do próprio Ministério da Fazenda há anos vêm apontando o efeito regressivo da desoneração da cesta básica e o custo fiscal elevadíssimo com a perda de arrecadação.

Ao longo dos últimos anos, um consenso foi sendo formado de que era melhor devolver o imposto para a população mais pobre do que dar isenção para os ricos. Não faz sentido zerar tributo de carnes caras, como o filé mignon, que são consumidas por quem tem dinheiro para comprar.

Um trabalho de anos para mostrar as incoerências da política de desoneração foi desmontado na votação da reforma tributária que foi para o buraco. Retrocesso que custará caro no futuro.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi o mais coerente na votação ao defender as carnes com alíquota até a reta final. Ele defendeu a ampliação do cashback (mecanismo que devolve imposto para os mais pobres, previsto na reforma) como saída para não impactar a alíquota de referência.

Lira encampou a tese da equipe do secretário Bernard Appy. O ministro Fernando Haddad, que assinou o projeto enviado pelo Executivo sem carnes na cesta básica, deixou o presidente da Câmara para trás.

Após a votação, Haddad gravou vídeo ao lado da primeira-dama Janja da Silva afirmando que a inserção das carnes na cesta foi uma vitória do presidente Lula. Janja também escreveu nas redes sociais que o imposto zero se tratava de "justiça tributária para todos".

Um extenso trabalho de retaguarda foi feito pelos técnicos da sua equipe para mostrar a eficácia da medida do ponto de vista da justiça tributária para referendar a decisão. Entre eles, estão na equipe grandes especialistas em tributação progressiva para garantir mais justiça para os contribuintes de baixa renda. Não iriam fazer uma proposta para ampliar a regressividade do sistema tributário ao propor a carne fora da cesta básica. Teriam abandonado o barco antes.

Além disso, todos sabem que a política de desoneração parte do pressuposto de que as empresas repassam integralmente o benefício, mas nem sempre isso ocorre. O benefício pode acabar sendo absorvido pelas companhias em forma de lucro. O próprio Appy alertou para esse risco em entrevista recente à Folha.

Lula não venceu. Foi vencido pela estratégia bolsonarista, que puxou o debate e colocou o presidente da República como o vilão da picanha mais cara.

Na votação, a base do governo só correu atrás do prejuízo. Faltou uma boa comunicação, com números e exemplos bem fortes, para refutar a narrativa bolsonarista. Não conseguiram nem mostrar que a carne fora da cesta mas dentro do grupo de produtos com alíquota reduzida de 60% (como prevista no projeto original), o preço iria cair.

A polarização em torno da carne na reforma foi um péssimo sinal para o que vem pela frente no debate sobre as medidas estruturantes de corte de despesas. A trava para evitar o aumento da alíquota que os deputados criaram é uma farsa.

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