Alexandra Forbes

Jornalista, escreve sobre gastronomia e vinhos há mais de 20 anos. É cofundadora do projeto social Refettorio Gastromotiva e autora de livros de receitas.

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Descrição de chapéu Coronavírus

Se eu parecer antipática, não levem a mal

Vou sentir saudade de comer sushi e pizza, mostrar meu sorriso e conversar com garçons, mas os novos tempos exigem sacrifícios

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Confesso que a vida aqui na casa de campo já virou um tédio. Só sonho com o momento exato em que vou poder sair para jantar! Já sei até em qual vai ser o meu #lotd. Jeans bem justo (chega de andar de moletom, faz me sentir uma baleia!), máscara de algodão egípcio mil fios que a minha costureira fez e chapéu com viseira integrada da Gucci que comprei online!

Como?! Não pode mais postar #look of the day no insta?! Bom, aí já vai perder um pouco o sentido me montar toda, mas paciência. O importante, afinal de contas, é finalmente conseguir jantar sem ter trabalho: não aguento mais descascar o esmalte que eu mesma tenho que passar (porque minha manicure não tem data para reabrir) picando cebola e lavando louça.

Topo pagar o que for para sentar e assistir garçons me trazerem tudo o que eu quiser. Espero que ninguém me olhe torto, mas já comprei um Touchland Power Mist pra desinfetar mesa, cadeira e talheres logo na chegada. Descobri esse pulverizador luxo no TikTok da minha filha, todas as amigas dela já tem, parece um mini iPhone multicolorido. Fofíssimo! Amei ter achado na internet!

Eu tenho feito mil compras online pelo motivo óbvio —lojas fechadas— mas também porque assim eu sinto que estou fazendo o bem, ajudando a manter empregados os motoboys de nosso país (já que, cá entre nós, me deu preguiça de doar para aquelas campanhas beneficentes sem fim que vejo circulando no zap).

Meu maior problema, quando eu puder sair pra comer, vai ser abdicar de sushi, sou viciada. Chicão e Nikita (meus sushimen favoritos) que não me levem a mal mas… vai saber que micróbios pousaram naquelas mãos de ouro antes de enrolarem o arroz, né ? Basta um trouxa infectado, sentado no balcão, pedir uma dupla de toro em alto volume e pronto: gotículas contendo o vírus sairão da boca dele voando, tipo um enxame invisível de abelhas raivosas. Não é hora de vacilar…

Olha, meu conselho pra vocês é carregarem o celular antes de sair de casa, porque todo restaurante que se preza vai ter menu digital. Vai ser só chegar, escanear o código QR e puf! Surgirá o menu na sua tela, te poupando do impensável perigo que seria encostar em um menu impresso. A carta de vinhos já vai vir junto. Ainda bem, porque se tem uma coisa que eu não largo desde que começou essa história de Covid-19 é a garrafa.

Todo dia me recomendam lives da fulana e da sicrana sobre saúde mental, mas o que essas terapeutas e life coaches não sabem é que depois da terceira taça de vinho eu esqueço o que li no jornal de manhã e atinjo um nível de tranquilidade e bem-estar que jamais consegui meditando, muito menos nas sessões com minha pscicóloga Lulubel. Essa, aliás, deve estar com cifrões nos olhos que nem o tio Patinhas. Façam as contas: R$ 900 a consulta vezes o crescente número de pacientes insones, estressados, à beira da separação e empobrecidos dá uma grana absurda!

Bateu inveja, confesso, porque ela vai poder viajar sem medo assim que liberarem os vôos internacionais. Na primeira classe, distanciamento social sempre foi básico, né? Um plus enorme com que nem os designers desses aviões podiam sonhar quando criaram aqueles interiores. Voar first class pode parecer caro pra você, mas pra Lulubel e pros acionistas do Pão de Açúcar ou dos softwares tipo Zoom, por exemplo, US$ 12 mil nem fazem cócegas.

Mas vamos voltar ao assunto que me interessa: jantar fora! Couvert, nem pensar. Aquelas bolinhas de queijo nadando em azeite, pães fatiados, azeitonas… Tudo é preparado horas antes e fica ali parado e exposto… Prefiro nem pensar onde. Para mim a regrinha é simples: comida servida no meio de uma mesa para ser compartilhada, de um modo geral, decidi eliminar da minha vida. Só de pensar nas mãos se cruzando e nos talheres tocados por múltiplas pessoas me dá nojo.

Pizzaria, cantina italiana, lugar de tapas…. Todo lugar onde fazem pratos para dois, para quatro… podem esquecer! Não vou nem amarrada.

Na verdade, eu me impus outra regra: de agora em diante só piso em restaurante bem ventilado com ar que vem de fora. Vocês já pararam para pensar que tubulações de ar-condicionado são espécies de jatos de fazer circular micróbios? O ar que o casal de velhos ali na mesa sete expirou logo será sugado, refrigerado e devolvido —imaginem que medo— para o mesmo ambiente! Não tem máscara que resolva, óbvio. Como faz para comer de máscara?! Por isso eu virei agora fã de restaurantes com varandas, pátios, múltiplas janelas etc. Quando maiores, melhor. Desde que não tenham bufê.

Nossa, só de pronunciar a palavra bufê na minha cabeça eu me assusto. Vocês não?

Hoje estreei minha carteira virtual, baixei um app que uma amiga super elogiou, assim vou poder pagar contas sem tocar em nada. É que aquelas maquininhas de pagamento que garçons trazem à mesa são a coisa mais perigosa no mundo, milhares de dedos tocam as teclas diariamente. Vão dizer que desinfetam a cada uso, mas como nariz de mentiroso só cresce em conto infantil, aposto que depois do segundo dia daquele desinfeta, desinfeta, desinfeta que não acaba nunca, muitos funcionários vão desencanar. Eu até entendo. Que chatice ficar passando álcool em tudo, já repararam que resseca muito as mãos?

E se eu tiver que ir fazer xixi, vou estrear meu chaveiro anti-micróbios. Chama touche tout, que significa "toca tudo", em francês. É um gancho lindo, super design, feito pra gente abrir porta de banheiro e de Uber sem encostar a mão. Podem procurar no Insta, recomendo super! A inspiração deles foi o Capitão Gancho.

É, agora vai ter que ser assim mesmo, Deus me livre encostar em portas ou chegar perto de alguém em público, de agora em diante vou ter que ser fria como uma geladeira pras pessoas se tocarem e ficarem bem longe. Aos garçons que estiverem lendo isto, por favor não levem a mal a antipatia quando a gente voltar a se encontrar. É pelo nosso bem!

Queria aproveitar para dar uma dica para todos donos de restaurantes com hostess na porta. Mandem elas usarem termômetros infravermelhos do tipo que a gente aponta para a testa de alguém a até três metros de distância. Parecem uma arma de brinquedo, mas não assustam. Chegou uma pessoa com febre? É só mandar embora. Que pena que máscaras escondem belos sorrisos, porque sorrisos sempre ajudam nessas horas. Se o cliente teimar em entrar, basta ter sempre uma mesa designada para casos assim, que pode ser isolada com muito bom gosto usando, por exemplo, biombos de acrílico e plantinhas. Tem uns lindos no site do designer francês Patrick Jouin, o mesmo que fez interiores de restaurantes do megachef Alain Ducasse —bóra copiar, gente!

Com tudo isso girando na minha cabeça como um redemoinho, vocês podem imaginar porque que até agora eu ainda não sei qual seria o primeiro restaurante que eu visitaria quando o isolamento social relaxar. Considerando o meu já elevado nível de estresse diário, essa escolha está sendo um suplício. Por isso eu peço a vocês que me ajudem, mandando as suas melhores dicas de restaurantes bons, bonitos e antivirais. Mas tem que ser logo, porque já começou a contagem regressiva para o fim da quarentena. Embora muitos falidos, uns pedindo o divórcio e outros com dois ou três amigos a menos, prometo que sairemos juntos dessa! Tenham fé!

PS: Espero que pessoas intolerantes, esnobes e paranoicas parecidas com a personagem fictícia acima, que pinta esse quadro negro pós-pandemia, fiquem em casa para sempre. De minha parte, assim que as autoridades julgarem seguro, irei correndo para um balcão que sirva bons sushis. Viverei minha vida pós-pandemia com cautela mas sem deixar que o medo tire o prazer que sempre tive em comer fora. Os restaurantes precisam, mais do que nunca, que a gente vá prestigiá-los assim que reabrirem. Vá de máscara, vá com álcool gel no bolso, mas vá. Comer em um restaurante e pagar a conta no final terá tamanha importância. Antes, era o normal. No pós-pandemia, será um ato cívico.

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