Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Alexandre Schneider

Racismo se 'desaprende' na escola

Presença de professores negros e redesenho de currículo são bons passos

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“Ninguém nasce racista vô, a gente aprende a ser racista”, disse meu filho de 11 anos ao avô em uma conversa pela internet, quando discutiam as manifestações que ocorrem nos Estados Unidos desde o assassinato de um homem negro, George Floyd, por um policial branco na cidade de Minneapolis há uma semana.

A morte brutal de Floyd foi o estopim de manifestações antirracistas que já alcançaram mais de cem cidades americanas. Locais como Nova York e Washington adotaram o toque de recolher, proibindo a circulação de pessoas entre 20h e 5h.

Nos Estados Unidos, assim como no Brasil, as desigualdades socioeconômicas e de acesso à saúde levam a um maior número de mortes causadas pela Covid-19 entre negros do que entre brancos. Em Chicago, 68% das mortes causadas pelo vírus são de negros, mesmo que representem 30% da população. Não há razão para supor que o quadro não seja diferente no Brasil.

Na educação, as pesquisas existentes nos dois países demonstram que os estudantes negros têm uma maior probabilidade de fracasso escolar. Também os negros são maioria entre os desempregados e entre os que recebem os menores salários.

Aprendemos a ser racistas desde cedo ao não enxergarmos os negros em espaços de poder: não estão ou estão sub-representados na direção das empresas, na política, na mídia, nos tribunais superiores, nas bancadas de programas de TV, nas universidades, nas salas de aula. Do ponto de vista simbólico, esquadrinhamos inconscientemente os “lugares” de brancos e negros.

Esse “espaço simbólico” certamente contribui para que as mortes de jovens negros nas periferias do Brasil —como foi o caso do menino João Pedro— não causem a comoção social que merecem. Assim como não nos causa estranhamento a esmagadora presença de jovens negros no sistema penitenciário brasileiro.

Se a gente aprende a ser racista, pode “desaprendê-lo”, como meu filho provocou. A educação formal é fundamental nesse processo, sendo ela também uma estrutura de poder.

Se ver pessoas negras ocupando lugares de poder importa na desconstrução do racismo, precisamos de mais professores negros. Uma medida importante é a de estabelecer cotas para a contratação de negros no ensino básico —a exemplo do que acontece na cidade de São Paulo— e nas universidades públicas.

Ao analisar dados de estudantes da Carolina do Norte entre os anos de 2001 e 2005 (“The Long-Run Impacts of Same-Race Teachers”), pesquisadores do departamento de Economia da Universidade Johns Hopkins concluíram que estudantes negros de baixa renda que tiveram ao menos um professor negro entre o terceiro e o quinto ano dos anos iniciais do ensino fundamental tiveram melhores notas que seus colegas que não tiveram essa oportunidade.

A chance desses estudantes deixarem os estudos foi 39% inferior aos dos colegas que tiveram apenas professores brancos. Alunos negros, ao se verem representados na figura de seus professores, têm melhor desempenho e permanecem na escola.

Não basta garantir a presença de mais professores negros nas escolas e universidades. É um erro considerar que o racismo se encerrará no ambiente educacional apenas com a adoção de uma política de cotas bem desenhada. Para isso é preciso atuar no redesenho dos currículos e na formação continuada dos professores.

Nossos currículos escolares, além de incorporar a história da África, devem promover o estudo da contribuição dos negros na formação da nossa sociedade, nossa história e nossa cultura. Quantos aspirantes ao curso de direito conhecem a história de Luis Gama? Quais estudantes de administração no Brasil conhecem a contribuição para o campo de administração pública de Guerreiro Ramos, também um intelectual negro? Quantos aspirantes a engenheiro conhecem a história de André Rebouças?

Por fim, os programas de formação de professores devem prever o reconhecimento e a mudança de práticas que reproduzem o racismo nas escolas. Como professores brancos reconhecem a capacidade e a potência dos estudantes negros? Como montam sequências didáticas que incorporem a necessidade de superação do racismo? Como fazem as escolhas de literatura para uso em sala?

A educação pode ter um papel fundamental não só para que deixemos de naturalizar o racismo estrutural, presente em nossas instituições, mentes e atitudes. Mas especialmente para que nós, brancos, entendamos a luta antirracista, mas como uma condição necessária para a construção da democracia e da redução das desigualdades no Brasil.

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