Alexandre Schwartsman

Consultor, ex-diretor do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universidade da Califórnia em Berkeley.

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Alexandre Schwartsman

Quem costuma se dar bem é o urso, e não o domador

É ingenuidade achar que o coordenador econômico de Bolsonaro contenha os exageros do pré-candidato

Boneco inflável de Jair Bolsonaro é inflado na frente do Congresso Nacional, em, Brasília
Boneco inflável de Jair Bolsonaro é inflado na frente do Congresso Nacional, em, Brasília - Ueslei Marcelino - 7.mar.18/Reuters

Corria há pouco nas redes sociais (não sigo o bom exemplo do Hélio Schwartsman e perco muito do meu tempo nelas) debate acerca da natureza do nazismo: seria esse um regime de direita ou de esquerda?

Tratava-se, porém, de pergunta tão estúpida (os comunistas alemães da época poderiam respondê-la sem dificuldade, caso não tivessem sido massacrados pelos nazistas) que não desperdicei minha atenção com aquilo.

Ainda sim, a discussão em si levanta uma questão interessante. Não falta quem primeiro defina sua posição no espectro político (“direita” ou “esquerda”) e, a partir daí, decida o que apoiar no campo das escolhas: pró ou contra o aborto, liberalização das drogas, ensino do criacionismo etc.

Essa posição me parece ser ainda mais estúpida do que o debate anterior: a escolha do que acreditamos ser certo ou errado é que caracteriza nosso posicionamento político, não o contrário.

Isso pode parecer um tanto abstrato, mas ficará, creio, mais claro se imaginarmos apenas duas dimensões de escolha: no campo dos costumes e no campo econômico. Para manter as coisas simples, definamos dois tipos de indivíduo no que diz respeito aos costumes: pode ser um “careta” ou um “porra-louca”. Da mesma forma, suponhamos também dois tipos de pessoa no que se refere às suas preferências acerca da política econômica: “liberais” e “quermesseiros”.

Há nuances, claro, mas quero crer que esses termos sejam suficientes para caracterizar as principais escolhas de política econômica, contra e favor de maior intervenção estatal, preferências sobre carga tributária e gasto público, integração comercial e financeira com o resto do mundo etc.

Por mais que possa haver uma correlação positiva entre “caretas” e “liberais” (bem como entre “porra-loucas” e “quermesseiros”), deve ser óbvio que outras combinações são não apenas possíveis mas também prováveis. E, se colocarmos outras dimensões de escolha, muitas outras combinações serão possíveis.

Isso dito, basta um mínimo de esforço de pesquisa histórica para notar que, no Brasil, regimes que seriam inequivocamente considerados de “direita”, como o governo Geisel (bom, sei lá: alguém pode começar a debater no Facebook se o velho general era, na verdade, um comunista enrustido), patrocinaram uma política econômica extraordinariamente intervencionista, marcada pelo dirigismo estatal e pelo aumento do gasto público, bem como por uma política agressiva de substituição de importações, de cujas consequências ainda não nos livramos inteiramente.

Também não é necessário ir muito longe para concluir que um político de “direita”, como Jair Bolsonaro, compartilha de uma visão econômica muito próxima do geiselismo (aliás, Dilma Rousseff também), transparente em sua atuação parlamentar, com declarações mercantilistas, de restrição à participação de capital estrangeiro em eventuais privatizações etc.

Sim, li as propostas do coordenador do seu programa econômico, mas, num mundo em que mesmo nos EUA a pessoa que deveria supostamente conter os exageros do presidente renunciou precisamente por falhar na missão, só muita ingenuidade justificaria a crença de que o domador é capaz de jantar o urso, quando toda a experiência histórica sugere que quem costuma se dar bem é, adivinhem, o urso…

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