O passe de longa distância fez com que a bolinha de feltro quase tocasse nos adversários. Ficou na mira do atacante de bainha alta e base cavada. Era uma jogada arriscada, mas veio a ordem: "Prepara!". Com a ação da palheta, o botão deslizou no piso poroso e mandou, com efeito, o chute que estufou o filó. Os beques gigantes e o goleiro de caixa de fósforos com chumbo fundido por dentro nada puderam fazer. Golaço!
Diversão de criança numa hora dessas, com a pandemia ainda não controlada, irregularidades na compra das vacinas e Bolsonaro fingindo-se de morto para enganar o coveiro? Pois dou a dica para quem não aguenta mais tantas desgraças: aliviar a tensão com as coisas boas da vida. Ter um reencontro com a infância guardada numa caixa de charuto no fundo do armário. Dar banho e passar talco nos jogadores de galalite, madrepérola, tampa de relógio e casca de coco. Numa tarde de folga, mandar o time a campo.
A origem do jogo é incerta. Teria sido "inventado" no Rio, no fim dos anos 1920, quando o publicitário Geraldo Décourt retirou os botões da camisa, os dispôs sobre uma placa de celotex, encenou uma partida de futebol e fez as regras. Mas me pergunto como foi possível a Ataulfo Alves, nascido em 1909, divertir-se jogando botão nas calçadas da cidadezinha de Miraí (MG), como ele conta no samba "Meus Tempos de Criança".
O tempo sofisticou a brincadeira. Qualquer dia vira esporte olímpico. Com árbitro, súmula e uniforme, há campeonatos oficiais disputados em quatro modalidades. Na regra disco, cada jogador só pode dar um toque na bola de cada vez: "De tão estratégica, é quase uma partida de xadrez", garante o escritor Marcelo Moutinho, botonista apaixonado.
Faço mais o estilo Ataulfo. É um jogo que nos transforma em criança de novo. E sabe por que insistimos em preservar os craques de coco? Na esperança de que possamos um dia brincar com os filhos.
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