Álvaro Machado Dias

Neurocientista, professor livre-docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e sócio do Instituto Locomotiva e da WeMind

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Novas técnicas podem reverter o envelhecimento

Redução da idade biológica aponta mudanças na maneira como nos relacionamos com o passar dos anos

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O que a gente chama de envelhecimento é a combinação de experiências subjetivas, práticas coletivas e mudanças na estrutura funcional do nosso corpo e em nossa maneira de pensar.

Em termos fisiológicos, este começa na fase fetal e perde velocidade a partir do final da puberdade, seguindo um curso mais ou menos estável até a meia-idade. Doenças do neurodesenvolvimento, como a esquizofrenia são, muitas vezes, causadas por disrupções moleculares durante a vida intrauterina ou logo após o nascimento, as quais fragilizam módulos cerebrais, razão pela qual costumam ser também tratadas como doenças neurodegenerativas. As pontas da vida são unidas pela transformação que atende por envelhecimento.

Idosas se exercitam em rua de Havana, capital de Cuba - Yamil Lage - 22.mai.23/AFP

A apropriação popular do tema evidentemente não abarca nada disso. Ela é calcada em entendimentos compartilhados, os quais vêm mudando de maneira relativamente lenta, conforme Mirian Goldenberg me explicou, em entrevista por email: "A percepção mudou e ao mesmo tempo não mudou, porque a velhice ainda é vista como algo feio, negativo, uma espécie de morte simbólica, apesar desta ser uma fase de maior liberdade".

Uma concepção bastante difundida é de que o envelhecimento subjetivo ganha contornos quando a vida deixa de ser pensada a partir do quanto já se viveu e passa a ser pelo quanto se projeta à frente. O problema com esta perspectiva é que ela gira em torno de uma mudança de paradigma incerta. Uma alternativa melhor diz que a experiência do envelhecimento se instala conforme identificamos mudanças na nossa percepção da passagem do tempo e nas manifestações proprioceptivas da vitalidade, o que na nossa sociedade tende a ocorrer na faixa 35-50 anos.

Conforme o tempo passa e nos enxergamos como mais velhos, tendemos a sentir o tempo passar mais devagar. Isto não apenas é verdade para janelas temporais medidas em anos, como para janelas medidas em segundos. Do outro lado, mudanças corporais percebidas, experiências de diminuição na velocidade de nossas respostas motoras e de agilidade cognitiva estão entre os principais fatores do envelhecimento autoavaliado pela via da perda de vitalidade.

Um fator crítico aqui é a postura frente à idade cronológica. Uma pessoa que não sente que o ritmo dos momentos e da vida declinou,não se enxerga em fase de declínio substancial da vitalidade nem têm marcadores fisiológicos de perda de função tenderá a se sentir mais velha em função do número de aniversários celebrados, dado o estigma dominante.

"As mulheres que não sofrem muito com os sintomas da menopausa, sofrem com a etiqueta que é colocada "agora eu sou uma velha". Neste processo, contudo, os homens sofrem mais do que as mulheres pois "eles são mais solitários, bebem mais e são muito mais dependentes dos cuidados das mulheres. Por isso, também recasam mais rapidamente quando se separam ou ficam viúvos" (M. Goldenberg).

Enfim, a percepção do envelhecimento é influenciada por concepções e práticas que variam localmente —como as que ditam o que é apropriado em cada fase— e noções quase universais, como a de que a nossa idade cronológica define nosso presente e, ainda mais, nosso futuro.

Acontece que, dentro de certos limites, a correlação entre idade cronológica, saúde e expectativa de vida é menos obrigatória do que parece. Tanto isso é verdade que novos marcadores de deterioração funcional, combinados por meio de inteligência artificial, superam o número de velinhas sobre o bolo de aniversário na estimativa do quanto uma pessoa deve permanecer respirando, fazendo com que estas percam importância frente à sua contrapartida biológica.

No meu entendimento, esta mudança de mentalidade deve atingir o imaginário popular em algum momento, mitigando o etarismo. Ele também torna irresistível a revisão de dogmas que orientam prioridades científicas, sobretudo o de que não podemos rejuvenescer biologicamente, enquanto nos tornamos cronologicamente mais velhos.

Este dogma é o grande responsável pelo fato de investirmos maciçamente na busca de tratamentos e curas para as doenças estabelecidas e, um pouco menos, em sua prevenção, em vez de apostarmos na redução simultânea do risco de quase todas elas, por meio da mitigação do maior preditor de morte existente, o envelhecimento biológico. Porém, há percalços e é este cenário de excitação e incerteza que será apresentado nas próximas seções.

A tese da reversão do envelhecimento

Em 1959, Leo Sziliar publicou o artigo "Uma teoria do envelhecimento", no qual apresentou a tese de que este fenômeno é puxado pela perda de informação genética causada por mutações, que levariam a danos irreparáveis ao DNA. A visão de Sziliar se tornou hegemônica e, em certa medida, continua valendo até hoje em dia. "Danos ao DNA são considerados o principal vetor dos processos degenerativos que coletivamente causam envelhecimento" (Vijg, 2021).

A nossa capacidade de intencionalmente corrigir mutações deletérias do DNA vem crescendo. A técnica de edição genética conhecida como CRISPR e, sobretudo, sua sucessora, a recém-criada PASTE ("adição genética programada"), são capazes de inserir vários pares de bases no DNA, sem que este se rompa. Os resultados, contudo, seguem limitados, o que está alinhado à tradicional tese de que o envelhecimento é em grande medida irreversível.

Acontece que uma série de descobertas relativamente recentes vêm colocando a tese de Sziliar em xeque ao mostrar que eventos moleculares que ocorrem após os genes entrarem em atividade são ainda mais importantes do que aqueles. A noção de que se trata de um fenômeno informacional segue valendo: é o aumento da desordem (entropia) celular que leva à perda de função e, assim, ao envelhecimento biológico. No entanto, hoje se sabe que tanto órgãos e tecidos tipicamente envelhecidos podem não envolver número excepcional de mutações, quanto que muitas células mutadas não exibem comportamento senescente.

Nossas células podem ser divididas em germinativas (sexuais) e somáticas. As primeiras têm uma e as segundas duas cópias dos nossos cromossomos, que são as estruturas do núcleo celular que carregam as informações genéticas (DNA). Genes são os segmentos do DNA. Sua expressão envolve uma etapa chamada transcrição, em que suas informações são copiadas, em estruturas chamadas de RNA mensageiro, que então darão origem às proteínas responsáveis pela diferenciação das diferentes partes do nosso organismo.

A grande maioria dos genes está presente nas mais variadas células, as quais são evidentemente diferentes. Pense, por exemplo, nas células da ponta do seu dedo e do seu coração. É disso que estou falando. A razão para essa diferença está no fato de que o ambiente local leva à ativação e ao silenciamento genético seletivo. Isso é feito por uma série de fatores moleculares chamados de epigenéticos.

Por exemplo, a adição de uma estrutura molecular formada quando o metano perde um átomo de hidrogênio a uma região específica do DNA, conhecida como promotora, leva à inativação dos genes associados, enquanto a remoção da mesma possui efeito contrário, ativando genes. Esses são eventos epigenéticos, respectivamente chamados de metilação e desmetilação.

Genes guardam informação digital, a qual é mais resistente a erros, ao passo que a epigenética faz uma espécie de conversão ao formato analógico, o que aumenta sua ocorrência. De acordo com a visão mais alinhada à tese do rejuvenescimento, a qual justamente vem ganhando espaço crescentes nas revistas científicas de alto impacto e na mente dos colegas com quem venho conversando, o envelhecimento seria predominantemente causado pela redução na capacidade de ler essas informações e não em sua perda irreversível (para entender mais, acesse aqui e aqui).

Esta seria uma boa notícia, já que os processos de natureza epigenética são muito mais plásticos do que os genéticos, até por que as células possuem uma cópia do seu material epigenético que pode ser direcionada à sua restauração funcional, o que é chamado de reprogramação epigenética.

Estudos recentes indicam que essa forma de "reboot" tanto pode reduzir quanto reverter o curso do envelhecimento biológico, elevando expectativa e qualidade de vida —além, é claro, de influenciar a maneira como nos relacionamos com sua contrapartida psicossocial.

Como a reprogramação epigenética pode levar ao rejuvenescimento

Há três maneiras de reverter substancialmente o envelhecimento biológico que atualmente contam com bom fundamento experimental, além de diversas outras, bem mais incertas.

A primeira é fazendo reprogramação molecular direta para a reversão da perda de informações epigenéticas. Um caminho envolve a indução dos chamados fatores de Yamanaka, que são proteínas capazes de fazer com que células somáticas voltem ao seu estado indiferenciado, pluripotente.

Inspirados por esta técnica, cientistas como David Sinclair e outros vêm dizendo que, em alguns anos, será possível tomar uma injeção capaz de cortar 20 ou mais anos biológicos da nossa história fisiológica. A principal barreira que nos separa deste cenário é o risco de que atividade molecular saia do controle gerando cânceres.

A segunda maneira é por meio de suplementos contendo moléculas que modificam provisoriamente as reações epigenéticas, para favorecer a eliminação de células velhas. Um exemplo é o NMN, que serve para a produção de um composto chamado NAD+, o qual, além de reduzir a presença de células senescentes, faz com que diversas organelas funcionem melhor.

Suplementos baseados em NMN são vendidos em diversos sites brasileiros e estrangeiros. Mas, provando que as coisas não são simples, o FDA recentemente proibiu sua comercialização sem receita médica nos Estados Unidos. A razão é que a divisão celular carcinogênica é estimulada pela disponibilidade de NAD+.

"A concepção de que aumentando os níveis de NAD só decorrerão efeitos positivos na fisiologia humana é errada e mesmo deletéria. O hype existe por que estas moléculas estendem a vida e reduzem a velocidade do envelhecimento; porém, assim, são ignorados os efeitos colaterais aberrantes e mesmo as doenças que o incremento na disponibilidade dessas moléculas podem causar, incluindo câncer" (Palmer e Vaccarezza, 2021).

Outra molécula que também reverte o relógio biológico em mamíferos é a rapamicina, um imunossupressor muito usado em transplantes. O problema neste caso é que seus efeitos colaterais vão de diarreia e prisão de ventre a tremores e insônia.

Uma terceira é a metformina, um medicamento antidiabético. Neste caso, os principais efeitos colaterais são menores e tendem a desaparecer após alguns dias. Conforme lê-se em artigo publicado na revista Nature, "a metformina é um dos compostos geroprotetivos mais atraentes que existem, atuando através de extensa regulação epigenética" (Wang et al, 2022). Acontece que a droga reduz um pouco os ganhos de massa muscular através de exercícios, os quais são fundamentais para o envelhecimento saudável, o que achata seu potencial.

Há vários outros suplementos que de fato tiveram sua capacidade de reduzir a idade biológica demonstrada em laboratório, mas o risco de impactos negativos de longo prazo está longe de ser marginal, não apenas porque os mecanismos de ação seguem em parte desconhecidos, mas porque faltam estudos sobre como características de saúde individuais influenciam a magnitude dos efeitos produzidos.

Eu tenho escutado que a situação deve melhorar a partir da metade desta década, quando a "personalização senolítica", isto é, a geração de fórmulas customizadas, em consultório, com auxílio de ferramentas de precisão e IA, deverá começar a avançar.

A terceira maneira pela qual a reversão da idade biológica pode ser atingida é por meio de mudanças comportamentais, sendo a restrição calórica por meio de jejuns duradouros, aliada a exercícios físicos regulares, a mais importante. Aqui, a conclusão que se destaca é de que a rotina alimentar importa tanto quanto o número de calorias e natureza do que se come.

Ao contrário do que nossas avós diziam, pular o café da manhã e, eventualmente, o próprio almoço pode ser benéfico para a saúde da maioria. Isso porque o jejum prolongado leva a uma espécie de estado de estresse controlado, que ativa genes e hormônios, melhora o controle do açúcar, um dos grandes responsáveis pelo envelhecimento, além de queimar gordura, o que reduz inflamações e outros processos que aceleram o envelhecimento biológico.

De acordo com dados recentes, jejuns mais prolongados são ainda mais benéficos: após cerca de 24 horas de jejum, fazemos autofagia das células senescentes, ou seja, passamos a eliminá-las naturalmente. Além de não ser algo fácil de se fazer sem o auxílio de medicamentos que podem ter custo/benefício fisiológico desfavoráveis para quem não tem indicação, jejuns intermitentes longos exigem cuidado redobrado na alimentação a ser consumida e na suplementação básica para que não produzam desnutrição, envelhecendo o organismo.

Rejuvenescimento biológico como parte do zeigeist emergente

A ascensão vertiginosa deste tema é mais um efeito da mudança de clima dominante, catalisada pela pandemia, a qual reforçou posturas baseadas no idealismo pragmático. Foi justamente o contato forçado com a perspectiva de morte, em um contexto de menor interpessoalidade, o que despertou jovens e pessoas de meia-idade para a importância de pensar mais sistemicamente sobre a saúde e sua relação com a finitude.

Há vários aspectos positivos disto e, em particular, da maior valorização da idade biológica sobre a cronológica, começando pelo fato de que nos permite viver mais e com menos estigmas. Porém, é também importante notar que se trata de um passo grande em direção à algoritmização da vida, o que tem seu lado negativo.

Quando o próprio conceito de idade passa a depender de um software para ser calculado, o risco de dependência tecnológica excessiva e consequente perda de espontaneidade se instala, em paralelo ao do aumento do fosso mantido pela desigualdade econômica.

No momento atual, a manutenção de uma relação favorável entre idade cronológica e biológica envolve a necessidade de se fazer exames rotineiros, os quais fornecem os dados para o seu cálculo. Porém, o caminho inevitável é a consolidação da ideia de que devemos nos monitorar em tempo integral, afinal, as informações geradas por sensores de fato permitem o refinamento das estratégicas geroprotetivas.

É emblemático que David Sinclair, um dos líderes de pesquisa no campo, mantenha-se conectado a gadgets biomédicos, 24/7. Acredito que isso ajude a explicar por que ele transparece pouca abertura à experiência e orientação à aceitação dos efeitos do acaso, traços que vão na contramão da ansiedade e que são fortemente preditivos da felicidade de longo prazo.

É preciso uma aproximação estratégica disso tudo para que a inteligência no trato do envelhecimento não se converta em estupidez no manejo da vida.

Erramos: o texto foi alterado

O sobrenome de Mirian Goldenberg e o imunossupressor rapamicina foram grafados incorretamente.

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