Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander Brasil

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Ana Paula Vescovi

As mensagens de Olivier Blanchard sobre o futuro da economia global

Curto prazo será marcado por combate à inflação nos EUA e na Europa, o que desafia emergentes

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A conjuntura internacional tende a ser fator crítico para o próximo período de governo no Brasil, o qual terá que conduzir o atendimento de demandas internas durante a normalização de choques globais, com taxas de juros mais altas e menor crescimento nas economias avançadas.

Os pesos-pesados da economia global percorrerão nos próximos anos os desafios de controlar a inflação praticamente disseminada e inédita desde os anos 1970 e 1980; de normalizar as cadeias produtivas, depois das quebras de fornecimento sofridas durante a pandemia e após o início da guerra entre Rússia e Ucrânia; de assegurar a direção da transição energética; e manter a legitimidade dos seus governos.

Esse cenário externo condiz com as reflexões de Olivier Blanchard, professor de economia no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e ex-economista-chefe do FMI, no painel que moderei na abertura do evento MKBR22, promovido recentemente pela B3 e pela Anbima, cuja discussão se concentrou no processo de ajuste nos Estados Unidos e na zona do euro.

notas de dinheiro no formato cone, uma ao lado da outra: libra, dólar e euro
Notas de dólar, libra e euro. - Folhapress

A mensagem mais importante foi a sua crença na volta à "estagnação secular", a longo prazo. Ou seja, na volta à convivência com taxas de juros reais mais baixas do que as taxas de crescimento, o que decorre do excesso de poupança sobre o investimento nessas regiões. Algo resultante de tendências demográficas e tecnológicas que asseguram crescimento mais sustentado, com inflação sob controle.

Ele alerta, contudo, para a possibilidade de que, antes disso, haja um período com taxas de juros reais mais altas, ainda assim abaixo da taxa de crescimento esperada nos países desenvolvidos. Isso em razão da necessidade de maiores investimentos público e privado em descarbonização.

O que está implícito nesse argumento é a ausência de risco fiscal relevante, caso as medidas governamentais de suporte à crise energética na Europa, por exemplo, possuam caráter temporário.

A curto prazo, contudo, a história é outra. Na largada do próximo governo e, aliás, desde já, o foco nos EUA e na União Europeia será o combate à inflação, com juros mais altos e desaceleração na atividade econômica.

Segundo Blanchard, se, na superfície, a inflação dos EUA e da zona do euro são semelhantes e encontram-se entre 8% e 10%, abaixo dela há grandes diferenças. E isso irá trazer respostas semelhantes dos respectivos bancos centrais, mas em intensidades diferentes.

Nos EUA, além dos choques de oferta (quebra de cadeias produtivas, preços de commodities e energia), há sobreaquecimento do mercado de trabalho, pois haveria menor taxa de participação após a pandemia, ou queda no número de pessoas dispostas a trabalhar.

A correspondência estrutural entre vagas no mercado de trabalho e taxa de desemprego teria, assim, sofrido quebra por fatores permanentes (aposentadoria precoce, mudanças na imigração e nas preferências por trabalho).

Com o mercado de trabalho apertado, os salários crescem perto de 6% em 12 meses, o que realimenta a espiral de preços e pressiona a parte mais duradoura —ou inercial— da inflação.

Isso porque, diante da queda dos salários reais, os trabalhadores pedem maiores salários para se realocar e ocupar os postos de trabalho vagos. As empresas reagem pagando mais salários, pois precisam de mais trabalhadores, e assim por diante.

Na Europa, não há esse sobreaquecimento e a inflação decorre, essencialmente, dos choques de oferta. Às rupturas das cadeias produtivas durante a pandemia somaram-se os problemas de fornecimento de energia (gás e petróleo) após as sanções aplicadas contra a Rússia. Isso vem sendo agravado pela depreciação do euro diante do dólar.

Todos esses efeitos têm aumentado as dúvidas do mercado sobre um possível novo regime de inflação mais alta, pressionando taxas de juros futuras. Em ambos os casos, por enquanto, as expectativas de longo prazo implícitas nos juros futuros ainda parecem bastante ancoradas.

Segundo Blanchard, haverá queda substancial da inflação nos EUA antes do fim deste ano, a qual poderá seguir para perto de 3% no fim de 2023. A partir daí, a resiliência dos efeitos secundários torna difícil levar a inflação para a meta de 2%. Na Europa, as notícias não seriam muito boas a curto prazo. Contudo, sem superaquecimento, a convergência da inflação torna-se menos custosa.

Assim, a necessária desaceleração da demanda ou aumento do desemprego seria substancialmente maior nos EUA. Sob a hipótese de o ajuste ser feito em um ano, implicaria redução de três pontos percentuais na taxa de crescimento. Se feito devagar o suficiente, pode evitar uma recessão, algo que será bem difícil, pois a demanda parece resiliente, apesar da redução de gastos públicos, na margem. Não há evidências de que a demanda venha a desacelerar na ausência de uma política monetária mais rígida.

O caso da Europa seria mais complexo, pois o mais provável é que a demanda diminua por conta própria, em razão da importante perda de poder de compra. Acontece que esse efeito tende a ser limitado pelos gastos públicos, pois os governos buscam criar um escudo sobre os preços da energia, via subsídios, a fim de aliviar os efeitos sobre a população. O BCE (Banco Central Europeu) vai precisar apertar as taxas de juros e enviar um sinal de compromisso com as metas de inflação, mas a intensidade será menor que nos EUA.

Tais condições rebatem sobre os mercados emergentes, pelo canal da inflação importada e de menor ancoragem, ou seja, maior custo para os bancos centrais no controle da inflação. Menor ancoragem implica necessidade de ser mais rígido no combate à inflação e aumentar as taxas de juros. Vale lembrar que essas economias convivem com taxas de juros reais neutras maiores que a taxa de crescimento, o que demanda maior esforço fiscal.

Contudo, haverá grandes diferenças entre importadores e exportadores de commodities nesse período, quando os últimos seriam menos penalizados, concluiu o professor. O que favorece o Brasil, que, ademais, poderá ter mais oportunidades relacionadas aos investimentos na "transição verde".

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