Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander Brasil

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Ana Paula Vescovi
Descrição de chapéu Congresso Nacional

Mais fácil do que parece, mais difícil do que deveria ser

A reforma administrativa entrou na agenda do Congresso para 2024; para avançar, precisa também ser priorizada pelo governo

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O meio político parece disposto a trazer para a pauta do Congresso em 2024 uma reforma administrativa, o que seria uma ótima notícia para começar o ano. Qual será o seu conteúdo e estratégia fará muita diferença para os objetivos que se pretende alcançar.

No dia 12 de dezembro de 2023, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e a CNF (Confederação Nacional das Instituições Financeiras) organizaram em Brasília o seminário "Construindo Consensos: Caminhos para a Reforma Administrativa no Brasil".

A pauta parece ter entrado nas prioridades do Congresso, mas ainda está em discussão dentro do governo e fora do radar de muitos analistas.

A ilustração de Amarildo publicada na Folha de São Paulo em 7 de janeiro de 2023, no formato horizontal, mostra vários representantes da sociedade: médico, cidadão, policial, idoso, mulher, criança, juiz, funcionário público e um trabalhador, todos de costas caminhando em direção ao congresso nacional. As pessoas estão nas cores azul petróleo em vários tons, passando pelo preto e indo até a cor branca. Estes ocupam a metade debaixo da ilustração. O congresso nacional está ao fundo na cor branca com degradês de cinza. Do lado direito do congresso tem uma agenda 2024, escrito reforma administrativa com letras cursivas. O fundo da ilustração tem cor azul esverdeado em degradê, começando azul na parte superior e terminando em branco na parte debaixo
Ilustração - Amarildo

Ao participar de um dos painéis, pude expor minhas opiniões e coletar algumas observações. Uma primeira refere-se ao espaço político que foi aberto para o tema.

Estiveram presentes representantes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Tribunal de Contas da União, e estes não pouparam justificativas enfáticas para seu engajamento. Mas tanto quanto presenças políticas de peso, foi notável a ausência de representantes do governo, que ainda mantém o tema em desenvolvimento.

Segundo, foi importante notar a estratégia adotada, de aproveitar a tramitação do relatório da PEC (proposta de emenda à Constituição) 32, de 2020, enviada pelo governo anterior e aprovada em comissão especial na Câmara em 2021.

O documento muda substancialmente o texto original, propondo três linhas principais: avaliação de resultados dos serviços públicos, avaliação de desempenho dos servidores como requisito para a estabilidade e novas formas de contratação temporária.

Há outros ajustes no relatório que parecem bastante razoáveis. Destaco a previsão para redução de jornada de trabalho em até 25% em casos específicos, desde que acompanhada da respectiva redução de salários; e as vedações ao aumento de remuneração ou indenizações com efeitos retroativos, das férias em período superior a 30 dias, e da aposentadoria compulsória como modalidade de punição.

Não há dúvidas sobre a importância de uma reforma administrativa com os três focos mencionados pelo relator da PEC 32/2020.

Trata-se de uma reforma dedicada aos milhões de brasileiros que, de algum modo, dependem dos serviços do Estado na educação, na saúde, na segurança pública, na Previdência e assistência social, entre outros setores.

Não é uma reforma dedicada aos servidores, e sim àqueles que necessitam desses serviços e sustentam a pesada carga de impostos no Brasil.

Mas poderá trazer para os servidores públicos realmente dedicados a fazer diferença um caminho para reconhecimento pecuniário pelo seu mérito. Não serão poucos os reconhecidos —são valiosos os exemplos de bônus-desempenho em alguns estados e municípios— e serão ainda mais numerosos os que seguirão os bons modelos.

Adicionalmente, não se trata de uma reforma para ajustar as contas públicas e, sim, para trazer mais eficiência ao setor público, que absorve cerca de 40% da economia.

Não há como se discutir aumento de produtividade e, portanto, da renda média no Brasil, sem incluir a administração pública. Uma política de incentivos à efetividade, por meio da avaliação de resultados e do desempenho, é algo há muito difundido no setor privado e em outros países.

O próprio conceito de estabilidade, tão lembrado quando se fala em reforma administrativa, deveria ser vinculado a uma avaliação de bom desempenho e do compromisso com resultados voltados à melhoria do bem-estar das pessoas.

Do que adianta cumprir as horas trabalhadas e receber as remunerações ao final do mês se os serviços não estão impactando como deveriam o nível de bem-estar? Os testes padronizados apontam alunos com baixo aprendizado, o sistema público por vezes falha na promoção da saúde dos indivíduos, a segurança pública não é efetiva para trazer confiança para pessoas e empresas.

Os governos no Brasil não gastam pouco (mais de 1/3 do PIB) em relação a seus pares, mas entregam muito pouco pelos recursos empenhados. Além do desenho das regras e regulações da política pública, a qualidade da gestão faz diferença para essas entregas.

Embora não seja uma reforma fiscal na sua essência, ao contribuir para promover maior produtividade e bem-estar, uma reforma administrativa contribuirá para conciliar a equação entre gastos públicos equilibrados, menor pressão para aumento de impostos, e melhores resultados das políticas públicas.

Por fim, uma mensagem final, igualmente importante, se consolidou entre nós, analistas que participamos do evento. O Brasil já aprovou a Emenda Constitucional 19/1998 para tratar da reforma administrativa 10 anos após aprovada a nova Constituição Federal. Ela nunca foi regulamentada.

Com a atual base constitucional, existem projetos de lei (PLs) tramitando no Congresso que, com quórum facilitado, alcançariam os mesmos objetivos, visto que já tratariam dessa regulamentação.

São projetos que tratam de regras gerais para concursos públicos (2.258/2022); avaliação de desempenho no serviço público (PLP 116/2017); regras para supersalários (PL 2.721/2021); regras para o direito de greve (PLP 45/2022).

Um PL poderia ser apresentado pelo governo federal para unificação e redução do número de carreiras, e que permita maior flexibilidade destas.

Estamos realmente diante da oportunidade de um espaço político aberto para avançar no tema. Se há, de fato, o anseio da maioria da sociedade por ter acesso a melhores serviços públicos, há uma saída mais simples e rápida do que aprovar uma nova emenda constitucional, e que corre o risco de ser mais uma a não sair do papel.

Fica a nossa torcida para que a pauta avance e se adicione à lista de boas notícias para o novo ano.

E aos leitores da Folha e deste espaço, do qual muito me honra participar, um feliz 2024!

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