Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander Brasil

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ana Paula Vescovi
Descrição de chapéu copom Banco Central juros

Os dilemas do próximo Banco Central

Autoridade monetária precisa aperfeiçoar instrumentos decisórios e de comunicação para navegar sobre as incertezas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A indicação de Gabriel Galípolo como futuro presidente do Banco Central veio em linha com as expectativas e retira um fator de incerteza dos mercados. O aumento da incerteza nas economias tem recebido crescente atenção de acadêmicos e gestores como fonte geradora de flutuações econômicas. Navegar sobre essa nova realidade e reancorar as expectativas de inflação serão o maior desafio do futuro presidente.

A crise financeira de 2007/2008 e a recessão subsequente à pandemia de Covid-19, por exemplo, trouxeram picos significativos em diferentes medidas de incerteza, o que renovou o interesse sobre seus efeitos na economia.

A ilustração de Amarildo, publicada na Folha de São Paulo em 01 de setembro de 2024, no formato horizontal, mostra um navio nas cores azul, preto e vermelho transportando o prédio do Banco Central do Brasil em meio a uma tempestade no mar. O céu é cinza escuro com uma nuvem mais escura na parte superior. Do lado esquerdo, há uma luz laranja com um raio amarelo sobre ela. O mar, nas cores verde, amarelo claro e preto, tem ondas gigantes batendo no navio
Ilustração - Amarildo/Folhapress

Aos olhos dos bancos centrais, a literatura sugere que, em períodos de alta incerteza, a política monetária perde eficácia, exigindo doses mais elevadas de juros para alcançar a mesma desinflação ou recuperação do PIB em comparação com momentos menos ruidosos.

Uma explicação simples seria que as empresas e as famílias teriam incentivos em adiar suas decisões de investimento e consumo, em razão da menor visibilidade do cenário.

Diante da extensão e da magnitude dos ciclos de alta de juros em todo o mundo nos últimos anos, o tema foi incluído no tradicional simpósio de Jackson Hole deste ano, que reúne diversos banqueiros centrais todo mês de agosto, na cidade de mesmo nome.

O tema concorreu com discussões sobre juros de equilíbrio mais elevados e políticas fiscais persistentemente expansionistas.

Olhando para trás, ao longo do tempo, uma vez que os mercados financeiros e os analistas do setor privado ficaram mais instrumentalizados com seus modelos, tornaram-se também capazes de prever taxas de juros de curto prazo com vários meses de antecedência.

Assim, os bancos centrais têm comunicado decisões aos mercados com cada vez mais antecedência (orientação futura ou "forward guidance"). E isso, em alguma medida, ganhou importância como mecanismo de transmissão da política monetária.

A eficácia da política monetária depende crucialmente das percepções públicas da sua estrutura sobre dois principais fatores.

Primeiro, uma comunicação bem compreendida sobre o componente técnico do processo decisório acelera a transmissão dos juros e encurta o tempo necessário para o controle da inflação. Adicionalmente, a credibilidade, ou a percepção de força da resposta do banco central à inflação, permite um ajuste com menos doses de juros.

Mais recentemente, houve uma inovação no marco técnico da política monetária por parte do banco central dos Estados Unidos, o Fed.

Para prevenir que os mercados fossem surpreendidos com decisões mais agressivas que o esperado em razão, especialmente, da ocorrência de choques, em 2022 o Fed mudou o seu marco decisório para o "Flexible Average Inflation Targeting" (Fait), cuja principal inovação seria a adoção de medidas alternativas de inflação média para a ação da política monetária. Após a sua adoção, cresceu a percepção de que a resposta do Fed para o aumento de inflação pode ter sido atrasada. Segundo alguns autores, isso tem trazido algum impacto altista para a inflação (cerca de 0,5 ponto percentual), desde então.

O fato é que vários anúncios e coletivas de imprensa do Comitê de Política Monetária do Fed, desde 2022, moveram os mercados em direções opostas, não necessariamente as mais corretas.

Vindo para o Brasil, aqui também passamos por mudanças no ferramental técnico da política monetária. Em junho de 2023, adotou-se a meta permanente de inflação de 3%, com uma banda de tolerância de 1,5 ponto percentual (para cima e para baixo).

Uma importante inovação, para a qual ainda falta a observação quanto ao seu funcionamento efetivo ao longo do tempo. Mas, a princípio, trouxe a percepção de que não haverá mudanças fundamentais em relação à suavização das medidas de inflação, tal como houve com o Fait.

Outra importante inovação foi a aprovação da independência formal do Banco Central, por lei, permitindo que cada um dos nove membros do Comitê de Política Monetária tenha mandatos fixos, descasados do mandato presidencial, e alternados. Nesse caso, a primeira impressão dos mercados foi que os membros interpretaram essa autonomia como a liberdade de emitir seu posicionamento sobre o cenário de inflação prospectiva ante a conjuntura econômica.

Se assim for, talvez tenhamos substituído uma governança mais sólida —na qual a disciplina da comunicação com os mercados e a sociedade era mais rigorosa— por um ideário de independência. Isso porque, inquestionavelmente, as manifestações cada vez mais frequentes dos membros do comitê vêm adicionando mais ruídos à comunicação dos objetivos e função de reação da autoridade monetária, tornando os mercados mais voláteis.

E, por fim, a mais recente novidade foi a indicação pelo governo do futuro presidente do Banco Central, a fim de permitir uma transição suave por parte do atual presidente, que sai em dezembro próximo.

Além de melhorar a comunicação sobre as decisões do Copom, amadurecendo o entendimento sobre sua independência formal, deverá demonstrar um arcabouço técnico (usando as melhores práticas encontradas na literatura) e dar estabilidade e consistência a esse arcabouço ao longo do tempo.

Não bastasse, precisará ainda contar com a política fiscal e seu novo arranjo para recompor a confiança dos mercados e a potência da política monetária e assim reduzir os custos da última milha de desinflação no Brasil.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.