Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander Brasil

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Ana Paula Vescovi

Turbulências

Nova rodada de aversão a risco reposiciona os mercados para mais inflação e mais juros, numa convergência global mais lenta para o nível neutro

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Os mercados entraram numa espiral de aversão ao risco nas últimas três semanas. Fatores externos predominaram, mas contribuíram para realçar questões domésticas recorrentes.

Depois dos ajustes mais acentuados a curto prazo, os agentes econômicos tendem a se acomodar à ideia de juros mais altos por mais tempo.

O acionador desse processo foi a divulgação dos dados de inflação ao consumidor nos EUA, os quais, no primeiro trimestre deste ano, e após um processo de desinflação acelerado no segundo semestre de 2023, vieram acima das expectativas e com composição pior.

Sede do Federal Reserve, o banco central americano, em Washington - Kevin Lamarque/Reuters

A variação anual ficou estagnada em 3,8%, ainda muito distante da meta de inflação de 2%. A inflação de serviços voltou a acelerar, e o índice "cheio" só não foi mais alto por causa da contribuição vinda da parte dos bens, que segue contida.

Também fez preço o dado mais fraco de crescimento no primeiro trimestre, mostrando a economia americana ainda impulsionada por gastos públicos.

A participação dos gastos do governo no PIB, que costumava ser inferior a 20%, respondeu por 30% do crescimento de 2,5% em 2023. Isso amplia incertezas sobre como reagirá a economia após um período prolongado de juros reais elevados e mediante a moderação de impulsos fiscais.

Com isso, o Fed (Federal Reserve, o banco central americano), na sua reunião mais recente, continuou sinalizando que deverá cortar juros ainda neste ano e afastou discussões sobre possíveis altas, trazendo uma comunicação vista como mais suave.

Contudo, diante das surpresas inflacionárias, as expectativas de redução dos juros nos EUA recuaram, e os mercados esperam agora de um a dois cortes até o fim do ano.

O deslocamento para cima da curva de juros norte-americana (cerca de 0,2 ponto percentual) impactou o dólar, que voltou a se fortalecer globalmente. As Bolsas foram menos impactadas, com o índice do S&P situando-se pouco abaixo das máximas históricas.

Quase simultaneamente, ocorreu a escalada do conflito no Oriente Médio. O mercado segue monitorando riscos para o preço do petróleo e para a cadeia de suprimentos global. No caso do petróleo, o impacto do conflito poderia vir da redução das exportações do Irã, ou da redução do fluxo de óleo da região.

Por ora, a oferta permanece sem maiores contratempos, e os preços ainda sobem 10% no ano, perfazendo média de US$ 84/barril. Os preços tendem a subir na segunda metade do ano em razão da demanda sazonalmente mais forte no hemisfério Norte.

Quanto à cadeia de suprimentos, os ataques no mar Vermelho seguem impactando os fretes e os seguros, o que afeta indiretamente os custos globais da energia. Continuam, assim, as incertezas sobre o cenário geopolítico, com preocupações que gravitam sobre possíveis consequências das eleições nos Estados Unidos.

No Brasil, o que sensibilizou os agentes foi a mudança da meta de resultado primário para 0% do PIB, em vez de 0,5% de superávit.

A coincidência com o período desfavorável para os mercados se deve ao calendário, fixado em lei, com prazo máximo em 15 de abril para envio do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias), o que não deixava escolhas sobre o momento mais apropriado para o anúncio.

Longe de ser surpresa para os analistas, que projetavam déficit de 0,6% do PIB para 2025, segundo a mediana do boletim Focus, veio a interpretação de que o governo teria cedido cedo demais na revisão da meta.

Contudo, logo após o estresse com eventos já esperados no campo da política fiscal, veio a mudança de perspectiva da nota de risco do Brasil pela agência Moody's, de estável para positiva, o que sinaliza possibilidade de elevação alguns meses à frente.

A revisão tem uma visão retroativa e não deveria mudar expectativas. Há muito são conhecidos os imensos desafios de sustentação do novo marco fiscal, que possui a contradição intrínseca de ficar tão mais ameaçado quanto maiores forem as receitas, pois torna inviável o limite de despesas estabelecido.

Dada a fragilidade fiscal, os impactos dos eventos externos foram maiores nos mercados de juros domésticos.

Ademais, o Banco Central do Brasil —que já havia endurecido a comunicação no Copom de março— voltou a endurecer ainda mais o tom em discursos públicos, sugerindo que o corte de 0,5 ponto percentual da taxa Selic em maio, previamente sinalizado, poderia não ocorrer. Não obstante, os dados de inflação corrente e subjacentes seguem melhorando.

As razões para o discurso mais austero seriam a persistência de juros mais altos nos EUA, a resiliência do mercado de trabalho, que traz riscos de repasses para salários e de aumento da inércia por meio da inflação de serviços, e a frágil condição fiscal brasileira.

O mercado doméstico reagiu internalizando mais volatilidade, com alta de cerca de 0,5 ponto percentual da parte curta da curva de juros e queda de 2% da Bolsa. A boa notícia foi a menor depreciação do real relativamente às moedas dos pares na América Latina.

Porém, os eventos mencionados —pressões inflacionárias, juros neutros mais altos advindos de fortes impulsos fiscais e riscos geopolíticos— vêm sendo há algum tempo considerados no balanço de riscos e nos horizontes mais longos dos inúmeros agentes que ajudam a formar expectativas no mercado.

Apesar das turbulências mais acentuadas nas últimas semanas, os mercados vêm reduzindo os "exageros" e se reacomodando. Contudo, os bancos centrais parecem estar refinando cenários e ajustando expectativas para uma desinflação mais lenta, com juros elevados por mais tempo.

Diante do quadro global mais desafiador, fica também mais latente que o país ainda tem um grande desafio pela frente para ajustar as contas públicas e não deveria esperar deterioração maior lá fora para priorizar ainda mais essa questão.

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