André Roncaglia

Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

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André Roncaglia

A arriscada diplomacia econômica de Haddad

Sucesso da regra fiscal depende de o setor privado assumir parte da responsabilidade pelo crescimento

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O Ministério da Fazenda divulgou o novo arcabouço fiscal (NAF) e, como esperado, frustrou todas as torcidas. O time Faria Lima (FL) o achou expansionista, e o time esquerda progressista (EP) o avalia como sendo a morte da agenda de desenvolvimento. É sobre esse gelo fino de anseios conflituosos que Haddad precisa caminhar.

O NAF se divide em três compartimentos: o intervalo de crescimento real de gastos correntes atrelados à receita (entre 0,6% e 2,5%), o piso de investimentos (R$ 75 bilhões e bônus eventual de até R$ 25 bilhões) e a banda de flutuação do resultado primário em torno de uma meta crescente.

Em qualquer cenário de receita, a regra assegura crescimento real de gastos. Caindo a receita, o piso de gasto (investimento incluso) é ativado; em caso de expansão, investimentos se expandem. Ponto time EP.

A foto mostra apenas as cabeças dos dois políticos. Haddad está em foco e ocupa todo o lado direito da foto. Ele olha para o rosto de Lira, que está desfocado e ocupa o lado esquerdo da foto
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da Câmara, Arthur Lira, em entrevista coletiva após o governo entregar arcabouço fiscal para o Congresso - Gabriela Biló/Folhapress

Em sua atual calibragem, o NAF faz um ajuste fiscal mais duro do que o teto de gastos que o antecedeu. Sob o teto de Temer, entre 2016 e 2019, a despesa caiu de 19,9% para 19,5% do PIB. O NAF começa com uma folga, devido à elevação de despesa para 18,9% em 2023 (PEC da Transição), e vai reduzindo-a a 17,7% do PIB (- 1,2 ponto percentual) até 2026. Ponto time FL.

A estimação da receita adiciona a inflação prevista para 2023 (6%) aos 70% da variação real em 12 meses (0,6%). Com a inflação esperada para 2024 em 4,2%, haverá expansão real (ex-post) de 2,4% das despesas. Somando esse ponto às 13 exceções de gastos à regra (aportes em estatais não financeiras inclusive), temos dois pontos para o time EP.

Se o avanço das despesas com educação, saúde e Previdência exceder o limite de 2,5% de crescimento do gasto agregado, outras despesas perderão espaço. Para evitar a canibalização orçamentária, cogita-se rever o piso constitucional de educação e saúde. Seria um erro grave seguir essa linha sem um planejamento rigoroso da eliminação do déficit histórico acumulado nessas áreas. Ponto time FL.

A pressão de Campos Neto aparece tanto no rigor do ajuste quanto na inclusão dos aportes aos bancos públicos na regra de gasto. Ao empurrar esses bancos para a concorrência por recursos privados, a regra encurta o horizonte de financiamento da economia. O BNDES deve recorrer a empréstimos externos para reforçar seu funding (o NDB sob Dilma Rousseff pode ajudar). Isso é pouco para recompor a queda do investimento público desde 2015 e para enfrentar a transição ecológica. Ponto time FL.

O "intervalo de tolerância" do resultado primário vai disciplinar a disputa entre as 13 exceções à regra e a bola de neve dos precatórios (R$ 140 bilhões), enquanto o serviço de juros da dívida continuará sem limite (R$ 760 bilhões em 12 meses). Ponto time FL.

Mesmo assim, é salutar a descriminalização da política fiscal. O NAF substitui a imputação de crime de responsabilidade devido a descumprimento de meta fiscal pela punição na forma de corte de despesa no ano seguinte e pelo risco reputacional do gestor (prestação de explicações ao Senado). Ponto time EP.

O empate 4 x 4 entre Faria Lima e a esquerda progressista mostra como é arriscada a diplomacia econômica de Haddad com as forças conservadoras da nossa sociedade. O sucesso da regra depende da eliminação de volumosas renúncias fiscais (R$ 150 bilhões), mas também de o setor privado assumir parte da responsabilidade pelo crescimento econômico. Se o Banco Central não cortar a Selic em breve, a economia poderá naufragar rapidamente, tornando explosiva a trajetória da dívida pública.

Resta-nos esperar por uma retomada do crescimento global para complementar o crescimento de gastos em 2023 e que o Congresso converta alguns pontos em favor do governo. Um pouco de sorte não faz mal a ninguém.

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