André Roncaglia

Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

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André Roncaglia
Descrição de chapéu América Latina

A estabilização da Argentina é problema nosso, sim!

Isolamento do país pode ameaçar integração regional e diminuir oportunidades de investimento

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Na semana passada, analisei como o sistema dólar oferece uma infraestrutura financeira que facilita o comércio internacional. Por outro lado, a hierarquia das moedas no "sistema dólar" impõe efeitos desiguais aos países do centro e da periferia.

Como apontou o historiador econômico Adam Tooze, "a combinação do choque do preço da energia e dólar forte avança sobre o mundo, pressionando consumidores e governos". Economias que, por variados motivos, não conseguem obter dólares para financiar suas trocas com o resto do mundo sofrem restrições externas paralisantes. Este é o caso da Argentina.

No bimonetarismo informal argentino, o peso cumpre a função dominante (mas não plena) de meio de troca, mas cabe ao dólar (e, em menor proporção, ao real) desempenhar as funções de unidade de conta e de reserva de valor. Esta fragmentação das funções da moeda é típica de processos inflacionários crônicos.

O presidente Luiz Inacio Lula da Silva recebe o presidente argentino Alberto Fernández no Palácio da Alvorada - Ueslei Marcelino/Reuters

A fragilidade externa do país é a fonte primária de inflação. A primeira causa é a política monetária de taxas de juros reais negativas (81% ante uma inflação anual de 104% em abril/23) e menores do que a taxa de retorno dos ativos financeiros denominados em dólar, agravando-se a pressão cambial. Pingou peso na conta bancária, as pessoas sacam e compram dólares (ou reais) e guardam em casa. O país tem um dos menores índices de manutenção de depósitos bancários (9% do PIB). Estima-se que US$ 262 bilhões saíram do sistema bancário formal para serem entesourados pelo setor privado. Esta soma equivale à toda a dívida externa do país!

A segunda causa de escassez de dólares é estrutural e decorre da desindustrialização acelerada, da dependência das exportações de commodities e das importações de energia. Há três anos o país enfrenta secas que derrubam as safras de soja e trigo, minando as exportações. O déficit de energia acumulou US$ 5,2 bilhões em 2022, sendo que apenas em gás natural foram gastos US$ 2,3 bilhões (daí a importância da construção do gasoduto de Vaca Muerta).

Mas, por que isso é relevante para nós?

A Argentina é a segunda maior economia da América do Sul e é um dos nossos principais parceiros comerciais. Estudo do Ipea mostra que a produção industrial das duas economias é orientada primordialmente para seus mercados internos e seu principal destino externo é justamente o país vizinho. Nossas exportações para a Argentina geram, em média, cinco vezes mais empregos do que para a China.

Longe de ser "um caso perdido", o país dispõe de valiosos ativos produtivos que podem aliviar sua fragilidade externa, sobretudo por meio do comércio regional. Um exemplo do potencial da cooperação regional é o desenvolvimento da produção de baterias elétricas a partir das abundantes reservas de lítio na região fronteiriça entre Argentina, Chile e Bolívia. Trata-se de uma oportunidade ímpar de inserção internacional proativa, com efeitos distributivos progressivos em termos sociais (melhores empregos) e ambientais (transição verde).

Todavia, uma Argentina em hiperinflação gera instabilidade política, sobretudo em ano eleitoral. Dados recentes sugerem que a aceleração da inflação vem se traduzindo em maiores intenções de voto em Javier Milei. Se estes desequilíbrios não forem corrigidos por reformas financeira e monetária dentro de um plano de desenvolvimento produtivo, a extrema-direita terá chance de vencer as eleições.

Se isso ocorrer, o isolamento da Argentina pode ameaçar a integração regional e, com ela, impedir a reindustrialização das duas economias e perder oportunidades de investimento e de comércio para a região.

Por estes motivos, a estabilização da Argentina é problema nosso também!

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