Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso

Política e violência

Facções usam estratégias típicas de movimentos sociais para contestar governos

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Fogo em montanhas de lixo, carros virados, vitrines quebradas, barricadas. Sem contar pichações, saques e incêndios. O Le Monde resumiu a quinta como dia de cólera, que escorreu semana afora. A ignição foi a reforma da Previdência. Mas mobilizações similares vêm se sucedendo na terra de Macron, basta lembrar os coletes amarelos. O assunto era outro, o formato, o mesmo: um coquetel de violência e política.

A mistura é frequente, a nomeação, variável. Os eventos franceses, nos quais correram soltos a tática black bloc e a repressão policial, foram classificados como protestos. Ninguém morreu. Se tivesse havido letalidades, mudaria o nome? Na França, a política violenta nem seria novidade, lá se inventou a guilhotina.

Criminosos atearam fogo na sede da Secretaria de Obras de Acari, cidade a 217 km de Natal, como parte dos ataques de organizações criminosas no Rio Grande do Norte
Criminosos atearam fogo na sede da Secretaria de Obras de Acari, cidade a 217 km de Natal, como parte dos ataques de organizações criminosas no Rio Grande do Norte - Reprodução - 14.mar.23/Governo do Rio Grande do Norte

Aqui já se viu esse filme francês, estrelado por quebra-quebra black bloc e cacetada policial. Mas nem todas as ações coletivas reivindicativas que envolvem violência têm sido tratadas como o que sempre são: políticas.

O plano desbaratado do PCC é emblemático. O promotor Lincoln Gakiya, um dos alvos potenciais, admitiu serem "ataques a agentes públicos e sequestro de autoridades para forçar o governo", mas despolitizou: "infelizmente, estão fazendo uso político". Não apenas o uso da ação do PCC, mas ela própria foi carregada de política.

Grupos em desvantagem na repartição de recursos e poder que se organizam e dirigem demandas a autoridades são uma definição de movimento social que casa com o vídeo da facção a propósito da situação carcerária no Rio Grande do Norte. Na cena, são três. Seus rostos cobertos, como em muitas manifestações antiglobalização, um deles porta máscara do Anonymous.

Exibem armas, como em filmagens de movimentos islâmicos. A simbologia é política. O planejamento minucioso de um possível assassinato evoca os atentados de movimentos como as Brigadas Vermelhas, o Ira, o Eta. Em todos, a fronteira entre ação criminal e política é esfumaçada.

As demandas também são políticas. A lista ecoou de um gravador. Nem rosto nem nomes, à maneira dos movimentos que negam liderança. A voz anônima falou por todos. Como é típico de movimentos, reclamou direitos, o dos presos -como as visitas íntimas e a liberação dos que já cumpriram pena. E, como os movimentos anticorrupção, denunciou práticas espúrias de autoridades.

A resposta foi igualmente política. Virou assunto no parlamento. O senador Randolfe se solidarizou com o colega ameaçado, mas lembrou a culpa no cartório do governo ao qual Moro serviu –o plano malogrado era de agosto.

O vice-presidente, didático, remontou ao livro do ex-juiz para apontar a situação contemporânea como resultado de inação deliberada de Bolsonaro. O ex-presidente respondeu, de seu retiro espiritual em Miami, equiparando o complô ao atentado que sofreu (e do qual acusou um partido) e ao assassinato de um prefeito petista.

Violência e política se entrelaçaram neste episódio, como no 8 de janeiro.

Grandes organizações criminais, e não só o PCC, controlam territórios e populações, à maneira de pequenos estados. Agora avançam no uso de estratégias típicas de movimentos sociais para contestar governos.

Sua legitimidade para fazê-lo não depende apenas das armas que portam, mas das demandas que vocalizam, a de grupos sociais a que os políticos raramente ouvem. Se a política institucional não abrir logo seus ouvidos, pode acabar surda pelo ratatá das metralhadoras.

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