Angelo Ishi

Angelo Ishi é jornalista, sociólogo e professor titular da Musashi University em Tóquio, onde reside desde 1993.

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Descrição de chapéu Tóquio 2020

Mestiço afro-japonês é porta-bandeira do Japão na abertura da Olimpíada

País quer vender ideia que preza a diversidade com Rui Hachimura

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Apesar de morar em Tóquio, ainda não consigo sentir que a Olimpíada já começou. Acabo de assistir à seleção feminina de futebol do Japão empatar em 1 a 1 com o Canadá. Depois de ter visto as cenas dos estádios cheios da Eurocopa, vê-las jogando na arena vazia me deu um aperto no coração.

As lojas de eletrônicos até tiveram um aumento na venda de televisores. Mas nada perto da febre consumista que se esperava devido à Olimpíada. As TVs estão fazendo malabarismo para garantir audiência sem dar margem para críticas – não querem passar a impressão de que estariam desdenhando a dor de quem está sofrendo com a Covid-19, seja pela doença em si, seja pelo aperto financeiro que ela desencadeou.

Na universidade em que leciono, a apatia dos alunos em relação à Olimpíada é evidente. Por recomendação do Ministério da Educação, o calendário tinha sido antecipado, para que o semestre fosse concluído até a véspera dos Jogos. Assim, os estudantes poderiam trabalhar como voluntários, ou, com sorte, assistir às competições...

 Jogador de basquete afro-japonês  Rui Hachimura
Jogador de basquete afro-japonês Rui Hachimura - Reprodução @rui_8mura

E já que os Jogos serão sem público, estão todos correndo atrás de outras atrações. O site da Disneylândia de Tóquio está congestionado por excesso de acessos simultâneos. É que hoje abriram as vendas de ingressos para a segunda quinzena de agosto. Os toquiotas, decididamente, não entraram no clima olímpico...

A escolha do jogador de basquete Rui Hachimura para ser um dos porta-bandeiras na cerimônia de abertura é mais um recurso para vender ao mundo a imagem de que o Japão preza a diversidade (neste caso, étnica).

Hachimura é mestiço de mãe japonesa e pai natural de Benin (país africano). Contratado pelo Washington Wizards, da NBA, é um dos esportistas de maior sucesso do Japão. Seu irmão, Allen Hachimura, joga na equipe de basquete de uma universidade japonesa. Eles têm sido alvo de “haters”, que não suportam a ideia de que “falsos japoneses” estejam em destaque na mídia.

Em maio, ambos causaram polêmica ao publicar no Twitter que recebem diariamente mensagens de ódio, incluindo frases cruéis que desejam a morte deles. Eles então questionaram: “Por que algumas pessoas ainda insistem que não existe discriminação racial no Japão?”.

O apelo dos irmãos Hachimura era uma referência ao debate provocado pelo comercial da Nike que viralizou no ano passado no Japão. O vídeo insinuava que uma mestiça afrodescendente e uma descendente de coreanos sofriam com preconceito e discriminação.

A mestiça lia no celular uma postagem que perguntava se Naomi Osaka, a estrela do tênis que é afro-americana-japonesa, “é americana ou japonesa”. Muitos japoneses se revoltaram, dizendo que não existe xenofobia no país, conforme insinuado no comercial.

Quando Tóquio conquistou o direito de sediar a Olimpíada, Christel Takigawa (mestiça de pai francês e mãe japonesa) cativou os membros do COI discursando em francês impecável. Vários atletas multiétnicos trarão medalhas para o Japão nestes Jogos.

Os otimistas dizem que eles são a esperança de uma maior aceitação aos estrangeiros e ao multiculturalismo. Os pessimistas alertam que mestiços e naturalizados só são tratados como “japoneses” quando são úteis para os interesses do país. Cabe ver agora se a diversidade celebrada nestes Jogos será autêntica ou “fake”.

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