Essa deveria ser uma coluna auto laudatória. Deveríamos usar esse espaço para enaltecer a potência das manifestações protagonizadas pelo movimento brasileiro de mulheres no país e no mundo. Milhões tomaram as ruas em milhares de cidades, pintaram o planeta de roxo e bradaram "ele, não". Juntas somos gigantes. Provamos isso mais uma vez nesse dia 29.
Mas não temos tempo. Falta menos de uma semana para o primeiro turno e precisamos com urgência avançar na compreensão do que aconteceu no fim de semana. Nosso destino que está em jogo. Então guardaremos o louvor à capacidade sem igual das mulheres, em especial das feministas, de pilotar o ato político mais relevante da nossa história desde as jornadas de junho de 2013. E vamos propor duas reflexões que demandam toda atenção.
Primeiro, precisamos entender o que aconteceu no sábado. Brasileiras convocaram o país para, num coro que congregou uma população diversa e plural, rejeitar um discurso político que não pertence ao campo democrático e que flerta reiteradamente com o autoritarismo (seja celebrando nosso triste passado, seja apontando para a possibilidade de futuro que o remonte).
Fomos para rua e convidamos todas e todos para o rechaço e escracho de um candidato que é machista e homofóbico. Mas quem acha que as mulheres marcharam sábado contra o machismo é politicamente míope. Não compreendeu a dimensão do que se deu.
Nós marchamos porque estamos disputando o poder. Porque temos o que dizer sobre os projetos de país que cada chapa postulante à Presidência representa. E não desejamos que a faixa seja passada em janeiro para alguém que ameace o regime democrático, a liberdade, os direitos humanos.
Fomos para a rua denunciar que o candidato que lidera as pesquisas eleitorais é eloquente quando destila ódio e intolerância, mas não é igualmente convincente quando fala de economia, de saúde, educação, de segurança pública.
Nós, mulheres, puxamos esse bonde para que todas e todos pudessem escutar nossas duras críticas às propostas descabidas de Jair Bolsonaro para o futuro do Brasil —ou à ausência delas. As mulheres não foram para as ruas denunciar o machismo. Não só. Foram para a rua alertar o Brasil dos perigos do retrocesso, do atraso.
Foi isso que aconteceu no último sábado. Essa revisão dos fatos nos leva ao segundo ponto que precisamos observar: foi isso que você viu na TV sobre o último sábado? Provavelmente não. A grande derrotada desse ciclo eleitoral é a TV. Ela, que sempre ditou uma narrativa hegemônica sobre quem somos e viu as redes sociais repercutirem essa narrativa ad infinitum, está assistindo perplexa à perda da sua centralidade no debate público. Ela não é mais onipotente ao ditar as regras do jogo e construir o imaginário nacional.
No Brasil e no mundo, inverteram-se os papéis e à TV cabe agora o papel reativo, enquanto as redes sociais definem o tom e o conteúdo das conversas da mesa de bar e do Jornal Nacional.
É preciso ressaltar: a TV vem desempenhando com muito esforço e pouco sucesso esse novo papel. Tem feito escolhas duvidosas sobre a ênfase a ser dada aos muitos processos seminais do novo ciclo que estamos construindo. Muitas vezes, não contribui para que ele seja um ciclo virtuoso e não mais um ciclo vicioso.
Por isso, a TV pode não ter explicado direito a você a magnitude do feito das mulheres, que protestaram pacificamente no sábado, acompanhadas de inúmeros aliados. Mas, também por isso, estamos aqui. Nós duas nesse momento. E nós todas a todo momento. Lutando.
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