Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata
Descrição de chapéu

Contra o tchau

Se o oi te deixou com uma sensação boa, o tchau é mentira do começo ao fim

Adams Carvalho/Folhapress

O oi é importante. É o mínimo de civilidade e pode ser legal, também, se a pessoa não for mala. Você encontra o conhecido na festa. Há uma surpresa genuína, “Ah, você!”, “Olha só!”, “Há quanto tempo!”. Vocês pensam um pouco: quanto, mesmo? “Foi na casa do Ricardo, aquele churrasco?”.

“Não, depois do churrasco a gente se trombou na Virada Cultural.” “A Virada Cultural não foi antes da casa do Ricardo?!”. “Não sei. Na casa do Ricardo você contou que tinha acabado de tirar o aparelho, tava reclamando que precisou usar aparelho, adulto”. “Ah, então foi depois da Virada. Eu tava de aparelho na Virada. Foi 2011!”.

“Dois mil e onze!” “Nossa, sete anos, já!”. Você não tinha filhos. A mulher dele estava grávida das gêmeas. Rola um papinho sobre como tudo está passando rápido. As gêmeas já estão com dentes permanentes. Vocês estão ficando velhos. Ele diz que você tá ótimo, cabeludo, “isso é Finasterida ou Minoxidil?”. Você ri. Diz que ótimo tá ele, em forma, “é pilates ou crossfit?!”. Ele ri. Por fim os dois aceitam que estão bem, na medida do possível. Você recomenda Finasterida, ele te passa o contato do crossfit.

“E o Ricardo? Tem visto o Ricardo?”. Ele diz que não. O Ricardo separou. Agora mora em Natal. Então é aquela coisa de festa, você vê outra pessoa, ele quer pegar uma bebida, vão cada um pra um lado, mas você sai com uma sensação boa, como se tivesse remexido numas fotos antigas ou folheado sua agenda do colegial. É um “Stories” que o encontro produziu dentro da sua cabeça.

O tchau não é assim. O tchau é mentira do começo ao fim. Você se despede e em vez da surpresa do encontro surge uma pequena culpa por estar partindo. Aí você fala, depois do abraço, “Ah, a gente precisa se ver mais!”. Balela. Os dois estão no Facebook, poderiam ter se visto em qualquer momento dos últimos sete anos. “Vamos marcar!”. “Claro!”. 

Os dois sentem a falsidade no ar e resolvem maquiá-la trocando os telefones. Ele pede seu número e disca. Toca, você desliga, diz que saindo dali vai botar na agenda. Talvez bote. Talvez não. “Vamos chamar o Ricardo!”, ele sugere. (O Ricardo mora em Natal). “Vamos fazer outro churrasco com o Ricardo! Pode ser lá em casa!”, você diz. Ele se sente em dívida porque você ofereceu a casa pro churrasco, diz que leva as bebidas e emenda: “Melhor, vamos fazer um churrasco e depois ir na Virada, ano que vem!”. “Marcado!”. 

Ele diz que vai ver quando o Ricardo vem a São Paulo. Vocês se despedem de novo. Dão mais um abraço. (O tchau brasileiro nunca é no singular. São vários tchaus. Dois. Três. Sete. Às vezes começa lá dentro, vai indo pra porta, não acaba). Você finalmente vai embora.

Se o oi te deixou com uma sensação boa, que legal é aquele cara, que legal era o Ricardo, que legal foi aquele churrasco, aquela Virada, os filhos que vieram depois, a vida que vai passando, o “Stories” da última década rolando na sua cabeça, o tchau te faz partir com um gosto meio amargo. O tchau é emissão de papel moeda afetivo sem lastro e a inflação que começa ali desvaloriza até a alegria produzida pelo oi.

Se fosse por mim, acabava o tchau. Dá um oi bem dado e na hora que quiser ir embora, vai, sem olhar pra trás —e um dia, se o Ricardo voltar de Natal e a gente quiser fazer um churrasco, faz.

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