Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata

Três poltergeists zoados

Assombrações tocam violão e mandam receita de bolo

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Ilustração
Adams Carvalho/Folhapress

1. No meio da primeira noite na casa nova, os Azambuja acordaram com barulhos vindos do sótão. "Parece um violão", disse dona Marli. "Desafinado", comentou seu Arlindo. Seguido pelos filhos, Arthur e Keyana, o casal foi até o sótão. Não havia ninguém ali, embora o violão continuasse. "É um fantasma", disse dona Marli. "É 'Starway to Heaven'", disse seu Arlindo. "Só a introdução", disse Arthur. "Muito mal tocada", disse Keyana. 

Dona Marli e seu Arlindo, que já haviam passado pelo espiritismo, pelo candomblé e até presenciado umas luzes indo e vindo no céu, rapidinho, em certa noite de pescaria em Aquidauana, não se assustaram tanto com a presença do fantasma quanto com sua inaptidão para a música. Depois de algumas semanas com uma mãe de santo e um padre tentando, em vão, expulsar a alma penada, o casal optou pela política de redução de danos: contratou um professor de violão.

Faz dois meses que o professor leciona no sótão, às terças e quintas, das duas às três da matina: o fantasma já tá tocando "Wish You Were Here", do Pink Floyd, "Redemption Song", do Bob Marley e anteontem, pela primeira vez, pouco antes da aurora, arriscou uma composição própria. "É um sertanejo", constatou Arthur. "Universitário", apontou Keyana. Dona Marli e seu Arlindo pensam em lançar um canal no Spotify só com músicas psicogravadas, o "Fantasmejo". Ou "Espiritejo". Ou "Almejo". Estão em dúvida.

2. A pálpebra começou a palpitar no meio de uma reunião. No começo, João Marcelo não deu muita bola. Já havia tido isso antes: a pálpebra, a têmpora ou o tríceps tremelicavam durante um tempo, depois paravam. Dessa vez, porém, não parou. Continuou palpitando tarde afora, palpitou quando chegou em casa e ainda palpitava, na cama, quando adormeceu.

Dois dias depois, viu no rosto do médico que o examinava um espasmo de assombro. João Marcelo pensou no pior. Devia ser uma doença raríssima. Fatal. 

O médico apressou-se em pegar um papel e uma caneta e sem tirar a mão esquerda da pálpebra do João Marcelo, passou a escrever com a direita, freneticamente. Depois de alguns minutos, largou a pálpebra e a caneta.

"O que que é, doutor?". "É Morse." "Oi?". "Na infância eu fui escoteiro. Aprendi a dar nós, a fazer fogo, a beber água de cipó e aprendi também código Morse. Nunca vi isso, mas as suas palpitações são uma mensagem. Em Morse." Dessa vez foi João Marcelo quem assombrou-se. "E o que diz a mensagem?". "É uma receita. De bolo de cenoura. Sem glúten. Você é alérgico a glúten?". "Não." "Interessante." "Que que eu faço, doutor?". "Bom, como médico, difícil dizer. Mas, se eu fosse você, começaria fazendo o bolo."

3. A Combustão Humana Espontânea (CHE) é um fenômeno bem documentado, havendo relatos tão antigos quanto o de Paul Rolli, em 1746, na publicação "Philosophical Transactions of the Royal Society".

O caso da dra. Almerinda Sabugosa, PhD em física quântica e moradora do Cambuci, no entanto, é inédito. Ela não chega à ignição, apenas solta fumaça pelos poros. Muita fumaça. 

Na última quinta, 250 pessoas tiveram que evacuar o Tuca. O odor é característico. "Parece meu Voyage a álcool, nos anos 80, esquentando o motor", disse um coronel do Corpo de Bombeiros.

Nos últimos anos, dra. Almerinda tem se dedicado a projetar um sombreiro com exaustor, mas ainda não encontrou nenhuma empresa interessada em investir na fabricação. Até onde se sabe, dra. Almerinda é o único caso na história de Combustão Humana Espontânea que dá chabu.

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