Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata

O ouro dos Petersons

Tivesse a mãe de um deles batizado o filho de Asdrúbal e o ouro estaria seguro

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Adams Carvalho/Folhapress

No caso do roubo do ouro em Cumbica, um dado assombrosamente curioso tem passado batido tanto pela polícia quanto pela imprensa: dois dos ladrões supostamente envolvidos no crime, ambos funcionários do aeroporto, chamam-se Peterson. Qual a probabilidade de haver dois Petersons numa mesma quadrilha? Uma olhada nos números do Censo sugere que é ínfima.

Existem 18.932 Petersons no Brasil. Enquanto os Josés perfazem 3,14% da população, os Petersons correspondem a 0,01%, sendo apenas o 1.081° nome mais dado entre nós. A maior proporção de Petersons está no Rio Grande do Sul, onde há 19,07 para cada 100 mil habitantes —e aproveito este espaço para prestar toda a minha solidariedade ao patrício que, perdido entre 100 mil habitantes, é apenas 0,07 Peterson. O que isso significa? Que 7% dele se chama Peterson e 93%, sei lá, Marcos Vinícius? Ou será que ele é 100% Peterson, mas nasceu sem 93% do corpo? Seria ele uma orelha chamada Peterson? Um joelho, Peterson? Um pé-terson? A piada foi infame e o tema é sério. Rewind. 

Algumas linhas atrás, mencionei um “patrício” chamado Peterson e o substantivo vem a calhar, uma vez que um dos Petersons é justamente Peterson Patrício. O outro é Peterson Brasil —e aí está uma segunda coincidência assombrosa. “Patrício”, segundo nome do primeiro Peterson, significa compatriota. “Brasil”, segundo nome do segundo Peterson, é a pátria de ambos. Se estivéssemos num episódio de “Scooby Doo”, este seria o momento em que descobriríamos serem os dois Petersons a mesma pessoa. 

Não estamos no “Scooby Doo”. Os dois Petersons são pessoas diferentes. Aliás, são amigos de infância e não consigo deixar de pensar que foi o nome que os aproximou. Tivesse a mãe de um deles, portanto, batizado o filho de Asdrúbal (só 284 em todo o país, ocupando o 2.311° lugar) o ouro estaria agora seguro nos EUA e no Canadá.

O crime também poderia ter sido evitado se, anos atrás, o chefe do terminal de carga tivesse tomado alguma atitude diante da excentricidade da situação. “Aqui, parceiros, o aeroporto é enorme, não tem nenhum Peterson em nenhum outro departamento e nós com dois. Tá estranho isso aí...”. Como ninguém jamais saberia que o obscuro aeroviário evitara um prejuízo de R$ 120 milhões, o herói morreria anônimo, talvez lembrado por seus colegas apenas como o chefe injusto que demitiu um dos Petersons sem qualquer razão. 

Li aqui na Folha que ao trocarem de carros os ladrões “lavaram” todas as possíveis digitais com extintores de incêndio. A espuma química, porém, nada pode contra as digitais da comédia e se os peritos da Polícia Civil se atentassem a elas, o crime teria sido resolvido em poucas horas. O delegado chegaria no investigador, debruçado sobre as fichas dos funcionários do terminal: “E aí, alguma coisa suspeita?”. “Sim, delegado. Havia dois Petersons entre os contratados do aeroporto”. “Dois Petersons?! Isso não cheira nada bem...”. (O diálogo soa dublado porque penso na coisa toda como um filme de “Sessão da Tarde”. “Petersons’ Gold” seria o título, provavelmente traduzido como “Uma Quadrilha Muito Louca”).

Além dos dois Petersons, outras pessoas foram presas, mas a polícia ainda não tem ideia de onde foi parar o ouro. Se fosse eu, investigava imediatamente todos os Petersons do Brasil. Podem começar por Roraima, onde há apenas 15 e terminar em São Paulo, estado onde há mais Petersons: 6.773.

Curiosamente, foi em São Paulo que aconteceu o roubo. Coincidência? Ora, depois de tudo o que foi exposto só podem seguir acreditando no acaso os hereges que jamais foram banhados pela luz da graça divina.

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