Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata

Música, maestro!

Por que ainda não inventaram o mítico produto que tinge o xixi na piscina?

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Uma das lendas urbanas mais comuns da minha infância —não só urbana, aliás, mas também rural e praiana, uma vez que o mito atingia com a mesma eficácia o interior e o litoral— era que tal ou qual piscina recebia um produto especial capaz de deixar a água vermelha em contato com o xixi. 

Tenho dúvidas, hoje, se a ameaça colaborava mais com a pureza ou a com poluição das águas, afinal, crianças são por natureza questionadoras e a promessa de uma rubra nebulosa se formando em torno do próprio corpo era ao mesmo tempo uma advertência e um convite. Confesso que eu mesmo, mais de uma vez, testei o alarme cromático —e, com partes iguais de alívio e decepção, saí ileso. 

Não deve ser difícil criar tal produto. Se hoje biólogos conseguem editar parágrafos do DNA —deveria dizer estrofes?— no núcleo de uma célula dentro de um organismo vivo, por que não conseguiriam desenvolver um reagente capaz de colorir-se ao contato com a ureia ou qualquer outro componente da urina? Que não o tenhamos produzido até hoje sugere não ser essa uma prioridade da raça humana ou, pior, insinua uma tácita cumplicidade global: quem nunca?

Ilustração
Ilustração - Adams Carvalho/Folhapress

Pum já é diferente. Pum é intolerável. Faz uns anos a minha amiga e vizinha de coluna Tati Bernardi observou, arguta como é de costume, que o maior efeito colateral da proibição do fumo em locais fechados foi a revelação do pum na pista de dança. Especialmente em casamentos. No século passado, uma névoa de nicotina e alcatrão encobria as emanações espúrias como a água da piscina diluía o xixi de uma criança. Limpo o ar, nossos vapores endógenos saltaram aos olhos, ou melhor, aos narizes. 

O que encoraja o cidadão a compartilhar com a galera, no meio de “YMCA”, as emanações mais íntimas de seu ser é a certeza do anonimato. “Saberão que vem desta região, mas jamais provarão que fui eu”, pensa o delinquente, antes de dar sua modesta contribuição ao efeito estufa e esgarçar nossa fé na humanidade. Pois saibam que, para este caso, já existe tecnologia à disposição.

No início do século 21, encontraram pum em Marte. A Nasa não o chamou de pum, mas de metano, seu nome de salão —embora com exatamente o mesmo cheiro. E como foi que a Nasa chegou à conclusão de que havia pum —perdão, metano— em Marte? Analisando as fotografias da luz que atravessava a atmosfera marciana. De acordo com as refrações, ricocheteios, tremeliques, telecotecos e ziriguiduns que a luz faz até chegar ao planeta vermelho, é possível auferir se cruzou camadas de Chanel N°5, gases nobres ou, no caso, plebeus. 

Pombas, se a Nasa é capaz de dichavar os gases da atmosfera marciana a quase 100 milhões de quilômetros de distância, por que é que um dispositivo, digamos, acoplado à luz estroboscópica da festa não daria conta do recado? Imagina raios especiais que conseguissem captar o metano e colori-lo ou esbranquiçá-lo como um sorriso Colgate sob a luz negra. Era o fim do pum na pista. Era o fim do pum no elevador. Era o fim do pum no táxi. (No Rio de Janeiro, basta você dizer que vai pagar no cartão e o motorista faz incidir sobre o preço do taxímetro o ágio gasoso).

Perdão, leitor, se tenho estado escatológico. Na última semana foi cocô. Nesta, pum e xixi. É que o ar anda carregado, as águas andam turvas. O ambiente está mais pra Sade & Masoch do que pra Tom & Vinicius. Tentarei ser mais solar no próximo domingo. Aliás, começo já. Despeço-me botando João Gilberto para tocar “Corcovado” dentro da cabeça de vocês. Música, maestro!

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