Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata

Maçã?!

Num mundo em que a maçã é rainha, só quem nunca chupou manga pode acreditar em meritocracia

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Num mundo em que a maçã é rainha, só quem nunca chupou manga pode acreditar em meritocracia. Gente: qual o critério? Imagina se Deus baixa pra uma pessoa que já chupou uma manga e pergunta: "Olá. Sou Deus. Não se assuste. Tenho uma enquete. Qual fruta deve servir como paradigma? Qual deve constar no Jardim de Éden, na Branca de Neve, na história de Guilherme Tell? Qual, em francês, deve carregar o próprio nome das frutas, 'pomme', a ponto de batata ser 'pomme de terre'?".

Maçã?! Sério mesmo?! Esta concorrência, obviamente, estava viciada. Ou Deus só perguntou pra europeu. O que não seria nenhuma novidade. Tem que ver isso aí. Quero ver a luta "decolonial" chegar na maçã. Não a ponto de cancelar a maçã, proibir a maçã. Ela tem sua função, ó pobre, esquálido e frígido pomo da terra. Mas deve ir pro fim da fila. Leva de 7 x 1 da manga. Nem entra na liga do caqui. Até mesmo de sua prima europeia, a pera, ela toma uma surra. (A pera é uma maçã que goza, gostoso, com suas coxas grossas).

A ilustração de Adams Carvalho, publicada na Folha de São Paulo no dia 19 de Fevereiro de 2023, mostra o desenho de uma maçã gigante em um jardim bucólico, pintada num monocromatismo róseo
Adams Carvalho

Não à toa o gênio Millôr Fernandes escreveu em "A Verdadeira História do Paraíso" um texto sobre a maravilha que seria o sexo caso a serpente tivesse oferecido à Eva uma manga, não uma maçã. Aí, Mauricio de Sousa: cadê as ameixas da Turma da Mônica? Os cajus? As nectarinas?

Meritocracia my ass, cabrones. E aqui uso duas expressões que só chegaram a nós não pela meritocracia, mas pela superioridade econômica e bélica dos Estados Unidos. O "cabrón" do México nos chega via EUA assim como as notícias de uma guerra no Oriente Médio nos chegam por um repórter em Londres. Veja: eu não quero soar clichê como um dirigente do DCE de ciências sociais, eu só quero comer (e pensar) melhor. (Se bem que, pensando bem, o dirigente do DCE tá certo em muitos pontos).

Outro fruto do lobby e do poderio econômico: o frango. Certamente, se houvesse um concurso gastronômico para definir a ave mais insossa para consumo humano, o frango ganharia. Como pode competir com o pato? A codorna? O peru? Fora todas as outras aves de caça a que não temos mais acesso como o faisão, o jacu, a perdiz. A galinha venceu por ser a mais prática de se produzir em escala. Existem hoje uns 25 bilhões de galinhas no mundo. O suficiente para que cada ser humano tenha uma alimentação sem graça por quase duas semanas. Dá maçã de sobremesa e teremos uma dieta perfeitamente equilibrada —na chatice.

Fui longe na gastronomia, mas os exemplos estão por todo lado. Vi um doc sobre uma suposta gênia norte americana chamada Fran Lebowitz. Disseram que era uma velha mal-humorada hilária. Ela até tem suas tiradas. Mas meia hora de Rita Lee deixa a véia no chinelo. Um parágrafo da Barbara Gancia e acabou pra Fran. Sem falar que ela finge que Manhattan é um lugar violentíssimo e aterrorizante no qual ela sobrevive feito uma Charles Bronson da literatura. Vamos mandar pra ela uns livros do Paulo Lins e do Geovani Martins e ver o que eles realmente fizeram com a linguagem?

Não queria soar ufanitsta, mas... Fran: vai ver as vitórias-régias –ou um tiroteio.

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