Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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ET phone home

Com telescópio James Webb, estamos tirando fotos do jardim de infância de tudo o que existe

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Diante de tantas catástrofes terrenas, acabamos não comemorando direito a apoteose cósmica, no Natal de 2021: o lançamento do super telescópio James Webb. A ferramenta mais poderosa já criada para vasculhar o espaço, entender nossas origens, e, quem sabe, descobrir vida alienígena. (Vejam "Explorando o desconhecido" na Netflix).

Por três décadas, ao custo de US$ 10 bilhões, a Nasa, a Agência Espacial Europeia e a Agência Espacial Canadense se reuniram para inventar, construir e colocar em órbita esse buraco da fechadura que nos liga diretamente às origens das primeiras estrelas e galáxias. O Big Bang foi há 13,7 bilhões de anos. O James Webb enxerga o que estava acontecendo 300 milhões de anos depois. Ou seja, estamos tirando fotos, pela primeira vez, do jardim de infância de tudo o que existe. Pensa na gente até poucos milênios, pelados e largados pelas florestas, caçando na base do tacape e comendo jaca que caiu do pé. Agora estamos aqui, analisando raios infravermelhos do início da criação. O James Webb é como um gravador capaz de captar Deus no finalzinho da frase "Fiat lux".

Impressionante que tenha dado certo. Quem já fez um simples bolo sabe quantas chances há de dar errado. A quantidade de fermento, de farinha, a temperatura errada e bau bau, já era. Agora pensa numa geringonça de sete toneladas que precisa ser montada, dobrada feito um guarda-chuva, enfiada dentro de um foguete, lançada no espaço, remontada remotamente e colocada em órbita a um milhão e meio de quilômetros da Terra.

A ilustração de Adams Carvalho, publicada na Folha de São Paulo no dia 08 de Outubro de 2023, mostra o desenho de uma explosão estelar no espaço sideral emoldurada por diversos hexágonos em referência ao telescópio James Webb.
Adams Carvalho

Na hora do lançamento, havia mais de 400 detalhes individuais que, se dessem xabu, inviabilizariam a operação. Mais de 400 parafusinhos, fios, comandos, chipes e sei lá que outras rebimbocas das parafusetas que, se não funcionassem exatamente conforme o previsto, fariam do James Webb o maior 7 x 1 da história da ciência. E, no entanto, miraculosamente, ou melhor, por conta do trabalho exaustivo de milhares das mentes mais brilhantes da nossa época, o bolo saiu bonitão.

Estima-se que, só na Via Láctea, haja uns bilhões de planetas com chances de abrigar vida. Parte do trabalho do James Webb será vasculhar estes planetas atrás de ETs. Analisando a luz que atravessa as atmosferas destes corpos celestes, o telescópio consegue saber quais gases existem ali. Há alguns gases que só existem em grande quantidade se forem continuamente produzidos por seres vivos.

O problema é que estes planetas estão tão longe da gente que as imagens terão demorado séculos, milênios ou milhões de anos para chegar até as lentes do James Webb. Ou seja, podemos descobrir uns dinossauros fosforescentes no planeta Draugr, neandertais bicéfalos no planeta Flictz ou fenícios voadores orbitando Betelgeuse: todos eles, talvez, extintos.

Fiquei pensando. Imagina se tiver havido vida inteligente em vários destes planetas. Imagina se a primeira destas espécies, antes de extinguir-se, deixou uma carta para a posteridade, escrita de alguma forma na superfície de seu planeta ou enviada em ondas sei lá das quantas, contando tudo o que aprendeu. Imagina se cada uma dessas espécies tiver sido capaz de desenvolver-se tecnologicamente a ponto de criar seus próprios James Webbs e captar essa carta inicial. Imagina se os povos que vieram depois deixaram, antes de sumirem, os capítulos seguintes desta história. Imagina se há, por todo o universo, um livro escrito ao longo de bilhões de anos, uma obra coletiva sendo redigida através do tempo e do espaço. Uma espécie de autobiografia do cosmos. Imagina se a gente conseguisse ler esse livro. Imagina.

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