Atila Iamarino

Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

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Atila Iamarino

A varíola de macacos e a próxima pandemia

Ainda repetimos o erro de não tratar um surto local como um problema global

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Com o mundo sensibilizado pela Covid-19, vemos a atenção se voltando à varíola dos macacos ou "monkeypox". Desde a detecção do primeiro caso no Reino Unido, 372 casos já foram diagnosticados em mais de 20 países fora do continente africano, entre Europa, Oriente Médio, Américas —incluindo nossa vizinha Argentina— e Austrália. E mais casos devem se seguir, agora que sabemos o que procurar, já que seus sintomas e feridas são bem evidentes.

Embora ela seja causada por um vírus da mesma família da varíola humana, isso joga a nosso favor por enquanto. Por ser conhecido, já temos uma boa noção da sua transmissão, do diagnóstico e como combatê-lo. Sua transmissão acontece principalmente por contato direto ou indireto com gotículas de saliva e outros fluidos corporais, ou mesmo lençóis, toalhas e outros materiais que estiveram em contato com alguém com as feridas que o vírus causa. O que é uma forma de contágio mais evitável do que pelo ar.

Pele de macaco ampliada 50 vezes mostra os vírus da varíola, em exame realizado em 1968
Pele de macaco ampliada 50 vezes mostra os vírus da varíola, em exame realizado em 1968 - CDC/Handout via Reuters

Também por ser um vírus da família da varíola, a vacina contra a varíola humana que já temos funciona bem contra ele. O que permite estratégias como a que o Reino Unido tem feito, imunizando com a vacina da varíola tradicional contatos próximos de casos confirmados e suspeitos de varíola de macacos. Apesar do susto e da preocupação, é uma doença com a qual temos boas condições de lidar sem passarmos por algo próximo da Covid. Provavelmente, você e as pessoas ao seu redor não serão afetados por ela.

O surto repentino de uma doença com a qual convivemos há décadas sugere uma mudança comportamental ou do vírus que gere esse espalhamento. E nosso comportamento tem muito a explicar. A vigilância molecular encontrou genomas muito parecidos entre os casos europeus e dos EUA, com pouca ou nenhuma mudança em relação a uma linhagem já encontrada na Nigéria em um surto que acontece lá desde 2017.

Até aqui, não encontramos indicação de que o vírus teria mudado ou aumentado sua transmissão entre humanos. Enquanto as lesões genitais encontradas em muitos dos casos sugerem que o contato que favorece a transmissão do vírus pode ser sexual. Nesse caso, o rastreio de contatos e o isolamento dos infectados podem conter os casos rapidamente.

A qualificação "fora do continente africano" para os casos simboliza muito sobre pandemias na atualidade. O vírus da varíola dos macacos tem esse nome pois foi descoberto em macacos importados para Dinamarca em 1958. Mas sua origem está no continente africano, onde duas linhagens da varíola de macacos circulam em roedores e regularmente causam casos em macacos e em pessoas que têm contato com a carne de caça desses animais.

Algo parecido com surtos de micose pulmonar ligados à caça de tatu aqui no Brasil. Sua descoberta também lembra o vírus Marburg, um parente do Ebola, que é originário de morcegos africanos, mas foi descoberto em macacos na Alemanha em 1967. Enquanto sua circulação fora de lá lembra o zika, um vírus que era encontrado em macacos e causava alguns casos em humanos desde a década de 1940 na África, mas que ganhou o mundo por ser transmitido pelo mosquito da dengue.

As coincidências com outros vírus não são por acaso. Não faltam casos de vírus que circulam em outros animais, as zoonoses, que podem e vão nos causar problemas. Todos os anos temos casos esporádicos de zoonoses em humanos. O grande problema acontece quando alguns desses vírus têm a oportunidade de melhorar sua transmissão entre nós. Nós vivemos hoje uma pandemia causada por um vírus respiratório de morcegos, o Sars-CoV-2, que já causou casos esporádicos em humanos na Ásia. E com as mudanças ambientais e climáticas que estamos provocando, nossa convivência com eles, os animais selvagens e seus vírus, só aumenta.

Vigilância e combate às doenças infecciosas são fundamentais para minimizar esse risco. Por exemplo, com o fim da varíola humana na década de 1970, acabamos com a sua vacinação. Então, nascidos na década de 1980 e aqueles que já haviam sido vacinados há muito tempo voltaram a ficar vulneráveis a outros vírus da varíola, como a varíola dos macacos. Tanto que seus casos vêm aumentando no continente africano.

Até o começo de maio, a Organização Mundial da Saúde já havia registrado mais de 1.200 casos da varíola de macacos nos países endêmicos: Camarões, República Centro-Africana, República Democrática do Congo e Nigéria. Tantos casos resultaram por volta de 60 mortes. Cientistas da Nigéria buscam ajuda para entender o surto que ocorre lá desde 2017, sem receber atenção até agora.

Vacinas contra a varíola humana poderiam ter ajudado a acabar com isso muito antes. Vigilância e colaboração poderiam ter esclarecido a situação. Assim como faltam vacinas e vigilância na Covid, mas sobram variantes. Ainda repetimos o erro de não tratar um surto local como um problema global. E quanto mais cedo agirmos, menos chances damos para os vírus evoluírem entre nós.

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