Atila Iamarino

Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

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Atila Iamarino

Brasil x EUA na pandemia

Enquanto os americanos não têm uma política pública de saúde como o SUS, foi justamente essa infraestrutura que salvou milhares de brasileiros

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Os EUA atingiram a marca de 1 milhão de mortes pela Covid-19. Um número impressionante que não deveria surpreender. Se o Brasil tivesse uma população equivalente à deles, teríamos superado essa marca em fevereiro deste ano. Nossos óbitos foram proporcionais na pandemia até o começo de 2021 quando o Brasil teve uma disparada brutal. E agora nos aproximamos novamente. Vale entender o legado público que explica parte dessa história.

A infraestrutura pública pode dar resultados por séculos, como os mais de 80 mil quilômetros de estradas construídas pelo Império Romano há mais de mil anos. A população atual, a atividade econômica e até a presença de estradas nos anos 2000 têm uma relação grande com estradas construídas para mover tropas romanas e suprimentos no século 5. Especialmente na Europa, onde continuaram sendo usadas e mantidas, o que ainda se reflete na prosperidade de regiões como Lyon e Paris na França.

Enfermeira aplica vacina contra a Covid-19 e homem, em posto de saúde no Rio de Janeiro
A maior vantagem do Brasil sobre os EUA na pandemia é a infraestrutura do SUS, com os postos de saúde atendendo a população de todo o país - Zo Guimaraes - 31.dez.21/Folhapress

E o mesmo parece ter ocorrido na América do Sul, com estradas do Império Inca que continuaram usadas pelos espanhóis. No Peru, índices como salários e até desnutrição infantil e desempenho escolar ainda são melhores em regiões mais próximas aos Caminhos Incas.

Na pandemia, pudemos ver outros resultados da infraestrutura pública. Os EUA passaram o último século investindo pesadamente em ciência e tecnologia e colheram esse benefício na pandemia. Foi de lá que vieram muitas ferramentas fundamentais para entender o Sars-CoV-2. E pelo menos duas vacinas que usamos, a de Oxford/AstraZeneca e a da Janssen, tiveram o investimento do governo dos EUA e foram um dos primeiros países a começar a vacinar sua população.

Mas foi na vacinação que esbarraram na falta de uma outra infraestrutura pública: a de saúde. Em um país sem algo como nosso SUS, sem posto de saúde para distribuir vacinas contra Covid, precisaram contratar redes de farmácia e supermercados para isso, ao custo de muito desperdício.

Onde as pessoas podem ter que pagar milhares de dólares pelo transporte de ambulância também não há a cultura de visitar o posto de saúde e se vacinar. O que deu margem para muita hesitação vacinal e um movimento antivacina tão virulento que estacionou a população com duas doses em 66% nos EUA. Mais de 650 mil mortes aconteceram lá depois do início da vacinação, a maioria concentrada entre não vacinados. E passarão pelo mesmo problema nas próximas pandemias. Sem sistema público de saúde, mesmo que deem máscaras e vacinas, não vacinados continuarão sofrendo.

Aqui, o alinhamento ideológico ao governo federal concentrou mortes antes das vacinas. Mas, graças ao investimento de mais de um século em políticas sanitárias e em instituições como Butantan e Fiocruz, essa infraestrutura passou por cima da negação do governo federal e do movimento antivacina.

Mais de 77% dos brasileiros tomaram duas doses e deixamos de ver ondas de mortes como as que os EUA ainda enfrentam. Poderíamos ter ainda menos mortes, se o governo federal não tivesse promovido o contágio pela Covid.

Apesar dos cortes, da negligência e ataques constantes do governo federal, nossa infraestrutura pública ainda nos beneficia. E salvou milhares de vidas na pandemia. Mas, para continuar dando resultados, precisa ser mantida com verbas, conscientização pública e o apoio de governantes. Na falta desse apoio, nossa vacinação infantil continua caindo.

Nenhum estado brasileiro atingiu a meta de vacinação contra o sarampo em 2021. Agora que teremos que cuidar de milhões com sequelas da Covid, voltaremos a precisar de infraestrutura de saúde para doenças evitáveis como o sarampo e, provavelmente, a poliomielite.

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