Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich

Fazendo escola

Em certo momento, a diretoria se encheu e os convidou a se retirarem da instituição

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Ele era um aluno ansioso. A classe ficava mais pesada com a sua presença. Sempre se colocava usando uma autoridade inventada, que, entendia, imporia respeito aos colegas. Tinha a língua presa, mas uma fala solta, lançando perdigotos misturados com bobagens. Começou a se levar a sério demais, cedo demais.

Gostava de brincar com arminhas, mirava seu estilingue para os que considerava mais fracos e negava os livros de ciência. Era um aluno exemplar nas aulas do rígido professor de educação física, a quem obedecia com subserviência e admiração. Enquanto os amiguinhos brincavam no recreio, ele continuava com as abdominais para ficar mais endurecido. Quando era contrariado, chorava, esperneava e chamava a mãe à escola para protegê-lo. Ele até que tinha seus coleguinhas, que mais pareciam discípulos do que amigos.

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Charge mostra Bolsonaro sendo vítima de seu próprio descalabro verbal - Benett - 16.mai.2019/Folhapress

Um dia, num campeonato de queimada, quando seu time perdeu o jogo, não se aguentou: teve vontade de quebrar tudo. Falou que o juiz roubou, que a bola roubou, negou até o fim que seu time perdeu e chegou a culpar o placar pela derrota, porque era digital.

Tentou convencer os outros de que o jogo nem era queimada, que as regras eram outras, mas levou uma cortada do pessoal do vôlei e não lhe deram ouvidos. Os amiguinhos do seu time ficaram tão furiosos que ficaram de mal com todos os que reconheceram a vitória do time adversário. Tiveram a ideia genial de se manifestar depredando a escola, em nome de uma tal democracia que ouviram falar dos alunos das séries de cima, mas que ainda não tinham aprendido.

Começaram pela sala de artes —para eles uma aula desnecessária, pura frescura. Destruíram trabalhinhos dos alunos das outras séries e usaram as tintas para pichar frases nas paredes. Pegaram borrachas dos estojos dos coleguinhas para apagar páginas tristes dos livros de história e tentar, eles mesmos, reescrever a mesma história com suas próprias letras.

Se empolgaram tanto que quebraram computadores, mesas e carteiras das salas. Um até mostrou o bumbum, coisa mais fofa. Sustentavam que o ato era pelo bem da escola e das famílias dos alunos, mesmo que a conta dos reparos sobraria para essas mesmas famílias.

Alguns inspetores da escola, estranhamente, deixaram a coisa acontecer, ao mesmo tempo em que o outro time, que não era bobo nem nada, aproveitou a baixaria para conquistar mais torcedores.

No meio da baderna, sentindo que poderia se complicar, o aluno valente, mas não tanto, esperto, mas não tanto, resolveu fugir pela porta dos fundos da escola. Foi parar no prédio vizinho para assistir de binóculos à movimentação. Mas, tadinho, foi interrompido por um mal-estar que lhe impediu de acompanhar. Tinha exagerado no leite condensado: era intolerante, também, à lactose.

Os pequenos arruaceiros foram identificados e esperavam por perdão, mas a diretoria estava farta e os convidou a se retirarem da escola. Alguns tentaram negar a participação no ato, mas, ingênuos, nem imaginavam que facilitaram o trabalho da diretoria com seus selfies orgulhosos diante dos estragos.

Outros se recusaram a sair, prometendo que venceriam o jogo de queimada no próximo campeonato, nem que fosse com uma bola plana. Ah, essas crianças!

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