Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich

Quase tudo pode quase acontecer

Nossa existência está cheia de quases, uns que quase nos salvam, outros que quase nos complicam

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Quase fui a ganhadora do prêmio da Mega-Sena da virada. Só não ganhei por cinco números, que por acaso foram erroneamente sorteados. Fora esse detalhe, eu quase realizei o sonho da casa pé na areia e o de passar férias num hotel flutuante nas Maldivas, não fossem as cinco dezenas.

Por outro lado, estou no lucro, porque eu poderia muito bem ter acordado com dor em alguma parte do corpo. Lombar, pés, pescoço, maxilar, ombro, ouvido, cabeça, ísquios, juntas, ligamentos, tendões: nada.

Ou, quem sabe, um raio poderia ter me atingido na chuva de ontem. Mas, não sei por que tanta sorte, por um triz, acabei acordando ilesa, sem dor nem raio. Nem picada de pernilongo. Se bem que, pensando melhor, quase levei uma picada, caso ele, o pernilongo, não tivesse escolhido a perna de outra pessoa.

No fim de 2022, Mega-Sena acumulou mais de R$ 500 milhões
No fim de 2022, Mega-Sena acumulou mais de R$ 500 milhões - Zanone Fraissat - 28.mai.2021/Folhapress

E essa quase picada, caso acontecesse, poderia ter infeccionado e me levado ao pronto-socorro. Enfim, eu quase estaria no pronto-socorro agora, não fosse a mudança de ideia do pernilongo —e do raio.

Tampouco bati o carro, mas quase. Se o carro da frente desse uma freada brusca, se o do lado invadisse a minha faixa de repente, se eu respondesse a uma mensagem no celular enquanto dirigisse. Por muito pouco poderia ter acontecido um acidente. Por quase nada.

Sem querer ser dramática, mas sendo realista, a grande verdade é que eu quase não estou aqui. Explico: se há 50 anos meu pai não tivesse ido para aquela festa (que ele quase não foi, por preguiça) para conhecer a minha mãe (que quase saiu da festa antes de ele chegar, por cansaço) eu não teria nascido.

Portanto, eu quase não nasci. Sou fruto de uma quase preguiça e de um quase cansaço. Não fosse isso, o meu filho —que quase foi uma filha, se o gameta X tivesse vencido o gameta Y— também não teria nascido.

E elas, as crianças, são um caso à parte. Cada uma tem o seu "anjo protetor do quase" para salvá-la dos inúmeros probabilíssimos acidentes que quase acontecem durante o dia. A cabeça na quina da mesa, o tombo no parque, o dedo na tomada, o caco de vidro no pé. O quase, sempre chega para salvá-los ... ou quase sempre.

No Qatar, o Brasil foi quase campeão. Somos quase hexa. Mas veio um milésimo de segundo de vacilada na defesa e abriu espaço para o gol do empate. Por esse pequeno quase, o destino futebolístico seguiu o caminho do quase impensável que era perder o jogo quase ganho.

Nossa existência está cheia de quases, uns que quase nos salvam, outros que quase nos complicam. É esse o milagre da vida, é essa a precisão dentro da imprevisibilidade de tudo o que pode acontecer com a gente. E a nós, só resta viver em paz com nossa humanidade imperfeita, sem procurar certezas dentro de tantos quases.

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