Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Becky S. Korich

Vivo, logo procrastino

Somos enroladores por natureza

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Provavelmente você está lendo isso enquanto procrastina alguma tarefa inacabada. Eu também: enquanto escrevo esse texto, protelo a entrega da declaração do Imposto de Renda, a organização das fotos no celular, o corte das unhas dos pés, a planilha de gastos de junho, a lista do sacolão, a troca da lâmpada queimada do banheiro, a DR em casa, respostas a mensagens, o almoço com as amigas.

Mas quis me concentrar apenas na procrastinação da escrita desta coluna e protelei até onde pude, para experimentar a emoção provocada pelo limite da protelação. Durante o tempo em que me ocupava com outras atividades, minha mente manteve a tarefa em aberto; a pulga atrás da orelha zumbia nos meus ouvidos insistindo na pendência do texto. Tive até algumas ideias e abri novas janelas de tarefas.

Lembretes pendurados em um varal com pregadores de madeira
Rosy por Pixabay

Tropecei no fenômeno psicológico conhecido como Efeito Zeigarnik, que é a tendência de nos fixarmos mais intensamente nas coisas não concluídas. A psicóloga russa Bluma Zeigarnik notou esse efeito pela primeira vez em 1928, sentada em um café, ao observar o comportamento dos garçons. Ela constatou que eles se lembravam dos pedidos com todos os detalhes até que fossem servidos, mas assim que os pratos eram postos à mesa já não se lembravam mais. Foi o ponto de partida para seu estudo que resultou na descoberta de um tipo de tensão cognitiva que ocupa a nossa mente enquanto pendem tarefas inacabadas.

Apesar da fama de preguiçosa, improdutiva e irresponsável, a procrastinação tem um potencial criativo e libertador. Quando procrastinamos deixamos a mente mais solta, o que pode nos levar a lugares inesperados e despertar novos padrões de pensamento. Obviamente não me refiro aos procrastinadores crônicos, que não conseguem terminar uma tarefa se não for no último minuto, mas aos enroladores habituais, como quase todos nós.

Protelar cortar a unha do pé não tem graça, e é mesmo por pura preguiça de tirar a meia nesse frio. Mas quando envolve assuntos criativos, existe uma beleza singular na incompletude. Talvez pela possibilidade de o nada se tornar qualquer coisa que a gente queira. Ou, ainda, pela beleza do mistério do que ainda será, como uma gestação de ideias que pulsam dentro, mas não sabemos com que cara nascerão. É a seminudez dos pensamentos, que excita mais do que pensamentos revelados.

O roteirista norte-americano Aaron Sorkin (de "Os 7 de Chicago", "A Rede Social", "Steve Jobs" entre outros) é conhecido por adiar a escrita até o último minuto. Quando lhe perguntaram sobre essa prática, ele respondeu: "Você chama isso de procrastinação, eu chamo de pensamento".

O que mais aflige é justamente o que nos salva: o prazo final. A delimitação do tempo é o que nos leva a entregar o melhor e nos faz aceitar a nossa própria incompletude e limitação. Nada mais libertador.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.