Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich
Descrição de chapéu tiktok

Até onde os pais podem expor os filhos nas redes sociais?

Não sei o que pais que quebram ovo na cabeça dos filhos têm na cabeça

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Tem sempre uma hashtag estranha viralizando nas redes. Desde a inofensiva #tbt até as mais insalubres. A última tendência viral aconteceu no mês passado, no TikTok, envolvendo crianças pequenas: o #eggcrackchallenge. Em uma tarde, teve mais de 68 milhões de visualizações. São postagens de vídeos que mostram adultos, presumidamente pais ou responsáveis, quebrando um ovo na cabeça dos filhos desavisados, enquanto ele (o adulto) solta uma sonora gargalhada diante da tela.

As crianças, algumas bem pequenas sentadas em cadeirões, têm diversas reações, algumas choram, outras ficam visivelmente incomodadas e outras até tentam achar graça na "brincadeira" com uma expressão confusa.

Esse é o preço do engajamento nas redes. Prejuízo duplo às crianças: a exposição sem consentimento e o péssimo exemplo de educação, justamente na idade em que estão aprendendo limites e moldando o comportamento.

criança corando com a mão no rosto
Pais estão humilhando e traindo a confiança dos filhos em troca de likes e engajamento nas redes sociais - Vovan/Adobe Stock

Vídeos desse tipo envolvendo crianças ressurgem de tempos em tempos, talvez porque falte conteúdo ou, mais provavelmente, miolos na cabeça dos pais. No ano passado, o hype foi outro "desafio", o #cheesechallenge, em que pais jogavam fatias de queijo nas crianças. Os pais se enchiam de dopamina com o número de visualizações e likes. Já os pequenos, consternados, tinham compulsoriamente sua imagem eternizada com uma fatia de queijo grudada no rosto. Imagino como se sentiria uma dessas crianças caso, depois de alguns anos, sua imagem com um queijo grudado no rosto fosse resgatada pelos amiguinhos de classe. Prato cheio para bullying.

Uma das mães legendou seu vídeo com uma declaração de amor ao filho: "Essa tendência é hilária! Eu amo meu bebê." Pelo jeito ela não entendeu que expor o filho não é exatamente um ato de amor, e o fato de "seu" filho ter saído do seu útero não lhe confere "direitos de propriedade".

Em 2020, foi a vez da moda de vídeos de pais jogando água no rosto de bebês e crianças desprevenidas. Em um deles, que foi viralizado e reproduzido quase 2 milhões de vezes, o bebê cai para trás assustado. Os pais riem. O bebê chora.

Mais estúpido ainda foi o #ghostprank, o filtro do fantasma azul, usado pelos pais (ou irmãos mais velhos com a conivência dos genitores) para assustar crianças dentro de um quarto ou uma sala, ao som de uma risada sinistra. Alguns vídeos mostram pais trancando os filhos dentro do quarto. Os mais sofisticados apagam as luzes da casa para dar mais realismo à imagem do fantasma. O resultado: reações apavoradas e tentativas frenéticas de fuga. Alguns escapam do susto. Você arriscaria?

São pais humilhando, traindo a confiança dos filhos, fazendo o oposto do que estariam supostos a fazer: construir um vínculo de confiança, proteger e transmitir segurança aos filhos. Esse tipo de humor, de péssimo gosto, é um verdadeiro abuso disfarçado de brincadeira. Os pais entram na onda visando seu próprio entretenimento, pelas "recompensas" que recebem das redes.

Qualquer postagem de crianças, mesmo a mais inocente e sem essas trolagens imbecis, tem que ser criteriosa e responsável, ainda mais quando expõe uma pessoa, seja ela filho ou não, que não tem capacidade de consentir ou evitar. É abrir portas para os riscos de violência, bullying, exploração comercial entre outros potenciais danos.

A brincadeira chegou a um nível tão estúpido, que algumas pessoas decidiram poupar os filhos do desafio: passaram a quebrar ovos na cabeça dos seus cachorros.

Constranger e machucar crianças (e animais de estimação!) só para conseguir algumas curtidas nas redes, revela o lado mais doentio da cultura de mídia social.

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