Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich

As adiposidades da Black Friday e a carne fraca do consumidor

A verdade é que queremos ser enganados, se não pelos fornecedores, por nós mesmos

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Apesar de a data oficial ser a última sexta-feira de novembro, a Black Friday já é disparada no primeiro dia do mês, quando ofertas são anunciadas e as vendas antecipadas. Começa, então, o Esquenta Black, que passa pela Pré-Week, até chegar à Happy Week, que antecede o dia oficial da Black Friday, que é prorrogado até segunda-feira, quando entra a Cyber Monday, que depois é estendida até a semana seguinte, até nos deixar sem fôlego, paciência e dinheiro.

A Black Friday surgiu na década de 1980, nos Estados Unidos, e já começou sendo um bom negócio... para os comerciantes. Lojistas enxergaram uma boa oportunidade de aproveitar a grande movimentação de pessoas nas ruas no Dia de Ações de Graças e criaram a temporada das compras de fim de ano. Não poderia ter data mais propícia por ser o último salário recebido antes do Natal. Promoveram conjuntamente uma campanha com descontos, para atrair a multidão das ruas aos seus estabelecimentos e tirá-los do vermelho (rumo ao azul, em inglês, "in the black", daí o Black).

Consumidores se amontoam durante promoção de Black Friday em loja em São Paulo
Consumidores se amontoam durante promoção de Black Friday em loja em São Paulo - Miguel Schincariol/AFP

A coisa evoluiu tanto que hoje em dia os descontos não são exatamente descontos
—ainda mais no nosso país da vantagem. Esta Folha publicou recentemente (no dia 16) uma pesquisa realizada pelo grupo Zoom/Buscapé, que demonstrou que itens como celulares, lavadoras, geladeiras e televisões tiveram um aumento de preço no início do mês. É a famosa "gordurinha" que gerou o já popularizado "tudo pela metade do dobro".

No início do mês, no Esquenta Black, recebi uma oferta de uma "clínica" de design de sobrancelhas, me oferecendo uma promoção de "lifting brow". Até então, minhas sobrancelhas nunca tinham me incomodado, eu mal me lembrava que elas existiam, mas o email me deixou intrigada. Há três semanas, a primeira coisa que reparo no espelho são minhas sobrancelhas desgrenhadas e sem forma. É assim que nascem as novas necessidades, criados pelos seus próprios solucionadores: com uma mão eles criam o problema e com outra oferecem a solução.

A verdade é que queremos ser enganados, se não pelos fornecedores, por nós mesmos. A psicologia parece simples: fazer com que gastemos com o que não precisamos, só para sentir o prazer da pechincha. Mas há uma equipe de psicólogos e gurus de marketing que trabalha nos bastidores da Black Friday durante o ano, planejando como atiçar o nosso prazer pela barganha, pois sabem que ele vem das profundezas da nossa psique. É químico. Portanto, se você se deparar com duas pessoas se socando numa loja de departamentos disputando pela última torradeira com desconto, lembre-se que há uma ciência por trás.

O marketing inteligente serve para nos deixar burros. O impulso de compra supera o pensamento racional, não conseguimos ficar indiferentes a anúncios do tipo "ofertas por tempo limitado", "estoque limitado", "restam só duas unidades". A sensação de urgência e o princípio da escassez são implacáveis. Tão falaciosa quanto sedutora, a estratégia da exclusividade para clientes "VIPs" também funciona perfeitamente, especialmente quando estamos carentes. Quem não se derrete quando recebe ofertas escolhidas carinhosamente para um grupo seleto de pessoas importantes como você?

A minha teoria é simples. Consumir na Black Friday é como ir com fome a uma churrascaria com um buffet completo e 30 tipos de carnes no rodízio. O ímpeto é de aproveitar tudo, nem que seja para passar mal no dia seguinte. É esse o banquete da Black Friday, que vence a nossa carne fraca.

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