Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich

O que a Finlândia tem que o Brasil não tem?

O país nórdico é heptacampeão em felicidade

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Finlândia é heptacampeã em felicidade. De acordo com o Relatório Mundial de Felicidade de 2024, a Finlândia foi considerada o "país mais feliz do mundo" (aspas propositais: quem sabe explicar o que é ser feliz?) pelo sétimo ano consecutivo. Entre os 140 países que participaram do estudo, a Dinamarca ficou em segundo e a Islândia em terceiro lugar. A pesquisa mede o que eu chamaria de "Felicidade Nacional Bruta" —algo como o PIB da felicidade— e serve de termômetro para classificar um sentimento tão inexato quanto imensurável.

Tenho minhas ressalvas. Vamos começar pelo próprio termômetro: não entendo como alguém consegue se sentir feliz vivendo em um lugar onde, durante os quatro meses de inverno, o sol nasce às 9h30 e se põe às 15h30 e a temperatura varia entre -5° a -20°. Tenho outro ponto importante: nunca vi um finlandês feliz. Talvez porque eu nunca tenha conhecido nenhum finlandês, mas é fato.

Imagem que parece um arco-íris
Coluna de moléculas de água congelada refletindo raios solares como um efeito de prisma sobre o gelo que cobre o mar em Sundom, Finlândia, durante temperaturas entre -20 e -25 graus Celsius - Olivier Morin - 16.jan.2024/AFP

Além do que, estou começando a achar monótono e sem emoção esse resultado que se mantem igual durante sete anos seguidos, quando na verdade o melhor da felicidade acontece no imprevisível. Não que eu desconfie da pesquisa ou não admire profundamente (e inveje parcialmente) a Finlândia, mas se eu fosse abordada na rua por alguém com uma pastinha e crachá que me perguntasse "no geral, quão satisfeito você está com sua vida atualmente em uma escala de 0 a 10?", certamente eu daria as mais variadas respostas em um mesmo dia.

A felicidade, sabemos, é subjetiva, não segue uma linha reta, não é binária, não se resume a uma escala numérica, não é ser ou não ser. Comparar culturas diferentes por um critério universal não é tão simples. Longe de mim ser negacionista da ciência, confio na metodologia utilizada pelos coordenadores para medir o bem-estar da população (veja bem: bem-estar), resultado de anos de estudos interdisciplinares. Viver em um país que tenha uma distribuição equitativa da riqueza, uma alta renda per capita, um bom sistema de saúde pública e baixíssimos índices de corrupção, resolvem metade dos problemas. Mas e a outra metade?

A Finlândia tem o hepta, mas só nós temos o penta. Eles têm felicidade, mas só nós temos o Rio de Janeiro, Gilberto Gil, água de coco, baianas, abacaxi, Fernanda Montenegro, caipirinha, brigadeiro, pão de queijo e um pão francês que nem a França tem igual. Eles têm felicidade, mas só aqui tem uma alegria sem explicação, praias e calor —não só humano. Lá não tem xote, forró, axé, ijexá, frevo. Não têm a paixão desenfreada, a bossa nova, a vontade de rir à toa —na vida e da vida. Aqui temos esperança...de um dia se tornar uma Finlândia.

Eu sei, lá não tem dengue, não tem corrupção, não tem desigualdade, não tem pobreza. Mas não tem a riqueza da diversidade: poucos morenos, poucos pretos, poucos ruivos, poucos orientais, poucos indígenas... poucos sotaques.

Eu sei, lá as escolas e os hospitais são de graça, mas aqui o que é de graça é o tempo que as pessoas doam para ajudar o outro quando o carro enguiça, quando o pneu fura, quando alguém está perdido na estrada.

Aqui os sorrisos são gratuitos, lá custam um pouco mais caro. Se vangloriar da boa sorte na Finlândia é considerado deselegante ("se você está feliz, deve escondê-lo", diz um ditado local). Não há sorrisos desnecessários, a felicidade fica confinada para dentro de casa; os sorrisos são discretos, econômicos, quase esquecidos. Já os nossos, cheios de dentes, se reproduzem se nutrindo deles mesmos.

Os finlandeses se consideram pessoas de sorte. E são! Por coincidência ou não, a tradução mais próxima da palavra "feliz" em finlandês é "onnellinen", da raiz da palavra "onni", que significa sorte. Sábio! Enxergar pelo prisma do que se tem. Eles vivem sabendo que as coisas poderiam ser muito piores, nós vivemos impulsionados pelo sonho das coisas serem muito melhores.

Para quem leva uma vida digna como na Finlândia, o direito à infelicidade é quase um pecado, uma afronta à própria sorte. Como podem se sentir tristes com o tanto que o país lhes oferece? Sem licença para isso, surge o paradoxo: a culpa por não se estar feliz no país da felicidade. Depressão, ansiedade e suicídio (é o país europeu com a maior proporção de menores de 25 anos que morrem por overdose de substâncias tóxicas). Parece, então, que as pessoas mais felizes do mundo não são tão felizes assim.

"Já ouvi pessoas brincando que a única razão pela qual somos o país mais feliz do mundo é porque todos os deprimidos já se mataram", ironizou a estudante Noora Ojala, de 27 anos. Piada de gosto duvidoso à parte, ela tem razão quando diz que a Finlândia "é um ótimo país para se viver, mas essas classificações não dizem nada sobre nós como indivíduos".

Eu sei, no nosso país não temos motivos racionais para estar felizes, não precisamos de lógica para isso. A nossa alegria é gratuita, até irresponsável, com a vantagem de sermos livres para nos sentir infelizes, mesmo porque não faltam razões para isso. Para uns, a sorte de viver em um lugar mais justo é a razão de felicidade, para outros, como nós, ter alegria é a própria sorte. Se pudéssemos trazer a Finlândia para cá, "Brasilândia" seria o país mais feliz do mundo.

Parafraseando Tom Jobim, morar no Brasil é uma merda, mas é maravilhoso.

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