Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich
Descrição de chapéu medicina

Ozempic, viagra, tarja preta e outras soluções para os seus problemas

Não faltam soluções que inventam novos problemas

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Rugas? Botox. Passou do peso? Ozempic. Quer seios maiores? Silicone. Passou a moda? Explante. Mais músculos? Whey. Miopia? Lente (nos olhos). Sorriso amarelo? Lente (nos dentes). Ficou feio na foto? Edita. Não é? Pareça ser.

Não faltam problemas. Mas o que não faltam são soluções que inventam novos problemas. O que não faltam são fórmulas mágicas, pré-fabricadas, que dão a mesma resposta para todos e achatam a nossa diversidade, nos condenando a percorrer uma única direção. Isso sim é um problema que ainda não tem solução.

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Não faltam soluções que inventam novos problemas - VlaDee/Fotolia

Sem saco para sair? Inventa uma desculpa. Sem saco para cozinhar? Delivery. Sem saco para falar? Mensagem de texto. Preguiça de escrever? Mensagem de voz. Preguiça de estudar? ChatGPT. Preguiça de transar? Dor de cabeça. Preguiça de ler? Celular. Preguiça de conversar? Celular. Preguiça de pensar? Celular.

Não faltam problemas. Mas o que não faltam são soluções que trocam o problema por outro maior, que perpetuam as preguiças existenciais. Até que a gente não consiga discernir o que é legítimo e o que é autossabotagem. Isso sim é um problema que ainda não tem solução.

Filho desobedeceu? Castigo. Filho foi suspenso? Culpa da escola. Mami não quer comprar? Chilique. Se irritou? Grita. Pisou na bola? Flores. A cagada foi maior? Joias. Não concorda? Cancela. Perdeu o tesão? Viagra. Errou? Arrume um culpado. Pensa diferente? Odeie.

Não faltam problemas. Mas o que não faltam são soluções que resolvem o efeito e não a causa —o que significa zombar do próprio problema. Soluções tão instantâneas que não nos dão tempo para conhecer o problema de verdade. Isso sim é um problema que ainda não tem solução.

Enjoou? Joga fora. Sem paciência para DR? Joga pra baixo do tapete. Se encheu? Se separa. Sem dinheiro? Parcela. Tem pouco? Espalhe. Está cheirando ruim? Perfume. Olheiras? Óculos escuros. Insônia? Melatonina. Está triste? Tarja preta.

Não faltam problemas. Mas o que não faltam são soluções anestésico-emocionais, que negam a própria humanidade. "E quantas vezes a opção ‘não quero sentir nada’ foi a melhor solução para os seus problemas?", pergunta Úrsula, a Bruxa do Mar, para Ariel, a Pequena Sereia, quando tenta convencê-la de sacrificar a sua voz. Às vezes, bruxos de nós mesmos, simplificamos os problemas usando soluções que sacrificam as nossas vozes e nos distanciam da nossa identidade. Isso sim é um problema que ainda não tem solução.

Ninguém quer ter uma vida difícil, mas não tem jeito, os problemas estão ao nosso redor, fazem parte do que somos. Fugir deles é a última das soluções. Que tipo de pessoas tolhidas seríamos sem os nossos "defeitos"?

Somos cobrados para dar certo o tempo inteiro, nos esquecendo de que o imperfeito pode ser a própria solução: o maior dos alívios, a maior das verdades.

A ânsia por respostas rápidas para tudo atrapalha o que mais importa: o caminho. Atalhos encurtam jornadas, nos fazem confiar em soluções externas até acreditarmos que relações são descartáveis, que ser reativo é ter atitude, que fugir é a melhor saída e que o tempo urge —se um dia não foi bom, não serve, joga fora, troca.

"Você deve estar preparado para ser queimado em sua própria chama: como poderia você se renovar se não se tornasse cinzas primeiro?", diz questionamento atribuído a Nietzsche. Para nos renovarmos devemos estar dispostos a passar pelo fogo da adversidade, só assim conseguimos deixar que as versões de nós mesmos que não servem mais se desfaçam em cinzas, para que algo mais potente e verdadeiro possa emergir.

Nem todos os problemas são problemas. Nem todos os problemas precisam de solução. E nem todas as soluções são soluções.

E a gente nem sabe o quanto complica quando acha que simplifica. Até entender que soluções não são remendos.

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