Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich
Descrição de chapéu Estados Unidos Governo Lula

Não precisamos de um presidente imbrochável

Não nos interessa saber o nível de testosterona dos nossos dirigentes

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Em 1991, o então presidente Fernando Collor de Mello declarou que tinha nascido com "aquilo roxo", para enfatizar sua força e masculinidade. Sua "macheza" não foi suficiente para impedi-lo de ser triturado em um processo de impeachment.

Passados mais de 30 anos, nada mudou. Em 2022, Jair Bolsonaro repetiu cinco vezes o termo "imbrochável" para afirmar sua virilidade, em um discurso na Esplanada dos Ministérios durante a celebração do 7 de Setembro, sugerindo uma suposta potência sexual inabalável. Em maio de 2021, ele tinha ido ainda mais longe: "Fique tranquilo. Já falei que sou imorrível, imbrochável e também sou incomível". Só faltou o inelegível nessa lista.

A imagem mostra as mãos de Jair Bolsonaro segurando uma medalha. A mão esquerda está posicionada acima da medalha, enquanto a mão direita a segura por baixo. Ele está vestindo uma roupa preta e usa uma aliança dourada no dedo anelar da mão direita
Ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) segura a medalha de "imorrível, imbrochável e incomível" - Rafaela Araújo - 14.jun.24/Folhapress

Quando pensávamos que estaríamos livres do palavreado chulo e da retórica sexualizada, o Presidente Lula não se conteve: quis ser tão potente e viril quanto o seu antecessor. Recentemente, em um evento em São Paulo, fez questão de declarar que dispõe de uma tenacidade (sexual) de um jovem de vinte anos e ainda cometeu a indelicadeza de expor sua mulher: "Quem achar que o Lulinha está cansado, pergunte para Janja. Ela é testemunha ocular. Quando eu falo que eu tenho 70 anos de idade, energia de 30 e tesão de 20, eu estou falando com conhecimento de causa".

Em setembro do ano passado, antes mesmo do efeito Biden, Lula fez uma declaração no mínimo capacitista depois de passar por uma cirurgia: "O Ricardo Stuckert [fotógrafo oficial da Presidência] não quer que eu ande de andador. Ele já falou: 'Não vou filmar você de andador'. Então significa que vocês não vão me ver de andador, de muleta. Vão me ver sempre bonito, como se eu não tivesse sequer operado."

A gafe mais recente, em tom de piada com o que não se brinca, foi sobre a violência contra as mulheres que aumentam depois dos jogos de futebol, "se o cara é corintiano, tudo bem". Isso está mais para uma conversa de bar entre machos do que uma declaração presidencial.

Ninguém precisa de garanhões insaciáveis no governo. Não precisamos de presidentes imbrocháveis, joviais, viris, imbatíveis; não são essas as "forças políticas" que vão fazer um país melhor.

Não nos interessa saber o nível de testosterona dos nossos dirigentes, não temos mais paciência nem estômago para as autoproclamações de virilidade - que mais nos dão a sensação de falta do que de plenitude.

Homens "do poder" precisam aprender a ser homens "empoderados". Aprender a não diminuir as mulheres para se sentirem grandes; a ficar calados quando o silêncio é mais precioso; a ser fortes a ponto de não precisar agredir para demonstrar força; a ser corajosos para assumir suas próprias falhas e, por que não, suas brochadas.

Homens públicos empoderados pensam antes de falar; não precisam gritar para serem ouvidos; conseguem ouvir vozes mais fracas; fazem de tudo para que as mulheres tenham as mesmas oportunidades, sem se sentirem ameaçados. Homens empoderados torcem por mais mulheres empoderadas.

O macho de verdade respeita as escolhas sexuais não só das mulheres como de todas as pessoas; não expõe sua intimidade (principalmente quando envolve a de outra pessoa); não precisa publicar no jornal suas peripécias sexuais; não tem medo de pedir ajuda quando precisa, de falar "eu não sei" ou "eu errei".

Macho de verdade não tem medo de brochar.

A política não é um palco para os homens reafirmarem sua masculinidade. Mas, infelizmente, o cenário político se tornou um campo especialmente atraente para os homens reforçarem seu status de masculinidade. Nesse contexto, as posturas e políticas masculinas refletem qualidades que podem ser consideradas relevantes nos domínios da segurança nacional e da política no geral. Isso faz com que alguns homens se sintam impelidos a seguir um padrão implacável de masculinidade, para não correrem o risco de perder seu status de "homens de verdade". É aqui que reside a masculinidade frágil.

A masculinidade real não se caracteriza pela agressividade e força, ela necessariamente inclui qualidades como civilidade, respeito e cuidado. Na política, que ainda é predominantemente composta por homens e onde o "mais forte vence", os líderes masculinos devem reunir todas as suas forças para modelar essa versão mais positiva da masculinidade.

Para merecer o cargo, um líder precisa se adaptar às mudanças na mesma velocidade em que elas acontecem. Por mais que tente se superar, Lula se mantém como um homem de seu tempo, moldado por uma sociedade estruturalmente machista. Suas falas infelizes provam a dificuldade que tem para atualizar as referências sobre as mulheres e sobre o papel do homem de hoje.

Não é questão de idade, muito menos de virilidade. Para esse tipo de derrapada, não há Viagra que resolva.

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