Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Descrição de chapéu

Attenzione, pickpocket: ladrões sensíveis roubam até nossos corações

Menos interessados em arrombar cofres, assaltantes têm preferido arrastão na semana de bricolagem da Leroy Merlin

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Semana passada, a ladroagem não deu trégua ao noticiário. Até aí, zzzzz. Estamos mais do que acostumados a toda sorte de furtos, roubos, desvios de verba e de caráter. A novidade da vez foi o crime-meme.

"Attenzione, pickpocket!" Gritada a sério diante da ação dos batedores-de-carteira em Veneza, a frase foi remixada em piadocas do TikTok. Chegou ao Brasil junto com as caravelas de Cabral, na imagem do quadro pintado por Oscar Pereira da Silva, e depois se apropriou da foto de Gwyneth Paltrow lalando o Oscar que era para ser da nossa Fernandona.

Constatada a verve que temos para encarar a subtração de bens como algo bem-humorado, vim alertar sobre um nicho ainda mais fofo e perigoso dessa criminalidade. Em vez de "a bolsa ou a vida!", cuidado. Alguém com uma meia-calça na cabeça pode abordar você exigindo "o coraçãozinho ou a vida, minha delícia!".

No cartum de Marcelo Martinez: um sujeito mal-encarado com uma máscara de ladrão, mas esta tem o formato de um coração vermelho
Marcelo Martinez

São gatunos de alma sensível e ponderada, como aquele que afanou um carro no Espírito Santo e logo em seguida o restituiu, enchendo o tanque e anexando um meigo bilhete: "O crime pede perdão". Sai o "rouba, mas faz", entra o "rouba, mas devolve". E com carinho.

Ansiando por um rebranding aos olhos da sociedade, esses ladrões —aliás, "ladrões" não, "ressignificadores da propriedade alheia"— buscam se aprimorar no delito detalhista. Como na ocasião em que meu pai, tendo seu sétimo rádio arrancado do painel do carro, foi enfim lesado por um virtuoso, que deixou todos os fios ordenados por cor e protegidos por um plástico de mariola.

Eu mesma já contei aqui a vez em que minha residência foi saqueada por uma gangue gourmet de aficionados pelo Masterchef. Gente sem escrúpulo, capaz de se aliar à facção dos colecionadores de cacarecos e de surrupiar meu pinguim de geladeira para negociar no Caçadores de Relíquias.

Sentindo-se cada vez mais em casa, eles vão descobrindo que itens realmente caros não são eletrônicos ou joias de família, mas esquadrias, louças e metais. Já viu quanto custa uma lixeirinha de embutir? É um roubo! Ou seja: menos interessados em arrombar cofres, assaltantes têm preferido fazer arrastão na semana de bricolagem da Leroy Merlin.

Em algum momento, um meliante desses invadirá seu apartamento –mas antes, tirando o sapato. Vai lavar sua louça para desocupar a pia. Passar uma vassourinha. Etiquetar seus potes de congelado. Quando você cair em si, lá estará ele esperando com empadão no forno, para ver novela juntinho. Belo, recatado e larápio do lar.

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