Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune
Descrição de chapéu

Shangai, parque de diversões, resiste numa aba nostálgica do multiverso

Aos pés da igreja da Penha, no Rio, local é um santuário à parte com batalha entre dragão e vira-lata caramelo

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Do alto de sua imponência histórica, a igreja da Penha é um ícone do Rio, com 382 degraus que peregrinos sobem de joelhos. Mas peraí, que agora vamos ladeira abaixo até o que considero um santuário suburbano à parte —e que repousa, humilde, a seus pés.

Primeira parada na roleta, para colocar a pulseirinha que dá acesso aos brinquedos. Afinal, o parque Shangai é o mais antigo do Brasil, mas não fica atrás de nenhum reino mágico de ratinho americano. Cliente pode e deve se sentir vipão, seja na bilheteria do castelo da Cinderela ou da Nossa Senhora.

No cartum de Marcelo Martinez: a silhueta de um carrinho de montanha-russa alçando voo, com a lua de fundo.
Ilustração de Marcelo Martinez para coluna de Bia Braune de 13 de maio de 2023 - Marcelo Martinez

A magia já começa pela Coca-Cola. "Só normal, moça. Tudo aqui é normal", diz a atendente, apontando para o freezer da lanchonete. E, de certa forma, cutucando minha própria essência. Nada me intriga tanto quanto a normalidade.

"Mãe, tem milho e salsichão." Opa, maravilha. "Tem canjica!" Que ótimo, festa junina o ano todo em nossos corações. "E aquilo gigante? Será que...". Do tamanho de uma bola de feno, é ele, sim. O temível algodão-doce. Alegria dos dentistas. "Podemos?" Rita Lobo e Bela Gil jamais chancelariam a aventura de papilas gustativas tão vida louca.

Criado em 1919, fincado na Penha desde 1966, o Shangai resiste numa aba nostálgica do multiverso. Cavalinhos giram no carrossel com alma de manège de Paris e trilha sonora de funk e pagode. Na pista dos carrinhos bate-bate, uma frota do tempo em que crianças dormiam deitadas sem cinto ou enfiadas no porta-mala. Falta o adesivo "Não corra, papai".

Da última vez, deu taquicardia —não de temor por nossa integridade física, mas de emoção— no solavanco de um clássico sobre trilhos: a lagarta com diastema. Terna recordação de quando nem gente, nem inseto, buscava a dentição perfeita, num sorriso de balas Mentex.

Só que a epifania master ainda estava por vir. Por entre gritinhos eufóricos do meu filho e de guris dos mais variados tipos e recortes demográficos. Enquanto um totó fanfarrão latia e corria embaixo da montanha-russa, tentando pegar o trenzinho em forma de dragão chinês. "Todo dia é isso, ele não desiste", disse a moça a quem perguntei o nome do vira-lata. "Caramelo", claro.

Quando a noite cai e as luzes se acendem, a igreja da Penha flutua sobre o parque feito disco-voador no céu do subúrbio. A vida é meio isso, acho. Pague para entrar, reze para sair. Divirta-se como der. Na luta do dragão da maldade contra os vira-latas guerreiros, tem quem não desista nunca. Bora, então, rodopiar na xícara maluca.

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