Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Descrição de chapéu

Marcello parla italiano: todos os caminhos me levam a Copacabana

Entre a fantasia e a realidade, lábia linguística do ator Marcello Mastroiani mobilizou muitos sonhos sobre a 'bell'Italia'

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Era um olhar sedutor. Irresistível. Fazia corar quem passasse diante dele, que sorria de ladinho. Em preto e branco. Colado com garbo e durex numa parede. Mastroianni ocupando o cartaz em que se lia apenas "Marcello parla italiano" e um endereço.

Na cartum de Marcelo Martinez: Michelangelo acabou de esculpir Moisés. Ele olha para a estátua e ordena: "Parla!". Mas a estátua responde "Travei.".
Ilustração de Marcelo Martinez - Marcelo Martinez

Para que mais, não é mesmo? Assim todos os caminhos me levaram não a Roma, mas àquele curso em Copacabana. Onde as professoras tinham cabelo louro ornamental de laquê e nomes de músicas do cancioneiro "paesano", como Irene e Roberta.

"Minha cachorra é igual a você, também se chama Beatrice", disse-me Rita, com sotaque do sul e voz de fumante, já na primeira aula. Homônima da Pavone, martelava-nos a gramática e a desesperança por entre baforadas. "Desistam de tentar separar sílabas, é complicado demais, não vale a pena: mudem de linha e pronto!" Na porta do inferno, nem os sincerões de Dante seriam tão terríveis.

Graças à lábia linguística do Guido de "Oito e Meio", vivi esse passado mais que perfeito às terças e quintas por três anos. O deleite de aprender algo unicamente por sua imensa beleza, sem qualquer pretensão maior. Um Festival Visconti aqui, uma reprise de "Terra Nostra" ali.

Guardando a Itália para depois na fila do passaporte, gastei o idioma na maciota, conversando sobre "calcio" com romanos na Turquia. Programas de culinária da RAI com napolitanos na Tailândia. A obra de Italo Calvino com russos em São Petersburgo, onde, aliás, vi muita gente estudando a língua no metrô. Rádios eslavas tocando hits de arregaçar coração (Vasco Rossi) e fazer safadeza (Raffaella Carrà).

"Tô em Milão, vem visitar". Nesse convite amigo, percebi que algo me detinha. E se a "bell’Italia" não tivesse nada a ver com a imagem fixada na minha cabeça e em pôsteres pendurados na memória? Fantasia teme a realidade. Eu temia a "Mamma Repubblica".

Só sei que fui: Milão, Veneza, Verona, Florença. Pasma pela lindeza, mas sobretudo atropelada pelo mundaréu de turistas, não consegui dar um pio. Gente que viu os mesmos filmes e sonhou os mesmos sonhos me atravessou, pisou e empurrou. Citadinos exaustos perguntando "may I help you, signora?", sem tempo para minhas amadoras conjugações irregulares.

E agora, Marcello? Parla alguma coisa, dai. Volto para praticar, fora de época? Ou desisto, baixo o Duolingo e peço asilo na próxima temporada de "White Lotus"? Em outro canto por aí, deve haver um Vittorio Gassman colado, que retruca. "'Sti cazzi', minha filha. Vá aprender esperanto."

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