O discurso contra o sistema foi a principal catapulta de Jair Bolsonaro para a vitória, mas é também uma fonte de incertezas sobre seu governo. As primeiras palavras do presidente eleito reforçaram a negação da ordem vigente sem detalhar o caminho que o país seguirá.
Bolsonaro representa uma guinada inequívoca (e brusca) à direita, realçada nas votações para o Congresso e nas escolhas de governadores em diversos estados. Ainda que a plataforma conservadora esteja desenhada, não é possível enxergar a estrutura que vai sustentá-la.
O próximo presidente da República construiu sua candidatura mais sobre uma proposta de destruição de um modelo do que sobre um novo padrão. Ao longo da campanha, conseguiu associar o fim da corrupção, da ineficiência do Estado e da insegurança a uma "faxina" de seus opositores (em suas palavras).
Escândalos de desvio de dinheiro, a má qualidade dos serviços públicos e os mais de 60 mil homicídios por ano foram argumentos mais do que convincentes, embora Bolsonaro não apresente ideias concretas e objetivas para atacar esses problemas.
Ao oferecer como solução apenas o desejo de destruição do sistema, o presidente eleito alimenta os temores de que seu trator também poderá derrubar pilares institucionais.
Nos pronunciamentos feitos ainda no domingo (28), Bolsonaro citou textualmente o respeito às leis, à Constituição e à democracia, além de um desejo de pacificação do país.
Manteve, por outro lado, o figurino de candidato ao repetir a proposta genérica de "mudar o destino do Brasil" e ao dizer que "nesse projeto, cabem todos aqueles que têm o mesmo objetivo que o nosso".
Bolsonaro e sua equipe omitiram esse projeto do eleitor ao longo da campanha. Ao pintar o quadro da destruição, recusaram-se a apresentar um desenho do que poderá ser construído.
O jogo da política começa agora, com atraso e com um time pouco habilitado a esse exercício. O presidente eleito prometeu que "todos os compromissos assumidos serão cumpridos" —o que não é pouca coisa, dado que já fez ofertas contraditórias a grupos de interesse diferentes.
Antes de assinar o termo de posse, Bolsonaro terá que decidir se extingue o Ministério do Desenvolvimento para agradar Paulo Guedes ou se mantém a pasta, como ele mesmo já sugeriu ao lobby da indústria. Também precisará dizer aos ruralistas radicais se o Ministério do Meio Ambiente será devastado ou prevalecerão os conselhos dos militares que querem preservar sua estrutura.
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