Bruno Gualano

É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

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Bruno Gualano
Descrição de chapéu Corpo

Com as canetas emagrecedoras, o que será da dieta e do exercício?

O estilo de vida saudável pode ser tornar obsoleto na era das novas drogas antiobesidade, e isso é um perigo

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Leio que as novas drogas antiobesidade foram a bola da vez no maior congresso mundial sobre obesidade, o ObesityWeek, realizado em outubro no Texas (EUA) –onde cerca de 35% das pessoas padecem dessa condição. Pudera. Como escrevi há cerca de um ano, os medicamentos análogos das incretinas –hormônios gastrointestinais que regularam o apetite e o metabolismo– devem revolucionar o tratamento da obesidade.

Se as terapias tradicionais, medicamentosas ou não, promovem uma perda de peso da ordem de 5 a 10% –e isso quando muito–, os novos análogos das incretinas cortam nada menos do que um quarto da massa corporal. Números dessa grandeza só são vistos com a cirurgia bariátrica, o mais invasivo procedimento de combate à obesidade.

Lee Smith/Reuters

A impressionante capacidade de reduzir peso faz dos análogos das incretinas uma febre mundial. A busca por esses medicamentos explodiu, assim como sua prescrição chamada "off label", ou seja, com fins distintos daqueles constantes na bula aprovada pela autoridade sanitária competente. Assim, pessoas sem obesidade estão esgotando o estoque de medicamentos desenvolvidos para tratar obesidade. Paradoxal como a velha busca pelo corpo ideal, tão mais frenética quanto mais fácil a solução.

E na era mágica das canetas emagrecedoras, até que ponto as árduas mudanças de estilo de vida valem a pena é o que se começa a questionar. No estudo SURMOUNT-3, participantes com excesso de peso foram submetidos a um intenso programa de atividade física e redução calórica por 3 meses. Em média, perderam 5% do peso corporal. Daí passaram a receber uma ajudinha da tirzepatida (Mounjaro) ao longo de 18 meses. Ao final do período, perderam mais 18%.

Já os que receberam placebo em vez do medicamento, recuperaram 2,5% do que haviam perdido. No SURMOUNT-4, a tirzepatida eliminou, em média, 26% do peso dos participantes. Detalhe: sem nenhuma intervenção para mudança do estilo de vida. E no estudo STEP, o congênere com semaglutida (Wegovy), dieta e exercício intenso combinados ao medicamento cortaram mísero 1% de peso a mais do que a droga isolada.

Em entrevista ao JAMA, um dos mais prestigiosos periódicos científicos, Michael Taormina, professor assistente da Universidade Colorado (EUA), revelou o que muitos estão a perguntar: "qual papel teria a intensa modificação do estilo de vida com essas novas e mais potentes medicações? Essa é uma resposta que não temos agora".

Talvez a dificuldade em encontrar a resposta se deva à impertinência da pergunta, cuja premissa tácita é que as novas drogas competem com o estilo de vida saudável.

Ninguém duvida que uma perda de 25% do peso melhorará profundamente a saúde geral de pessoas com obesidade. Isto é o que contam reiterados estudos: perde-se o peso em excesso, ganha-se saúde cardiovascular e metabólica.

Acontece que mesmo pessoas com peso normal não se podem dar o luxo de dispensar a boa alimentação e o exercício. Os que o fazem correm riscos maiores de desenvolver doenças crônicas graves. E veja bem: isso em comparação a pessoas com obesidade, porém adeptas a hábitos saudáveis, como a prática regular de atividade física.

Como mostram os estudos populacionais, exibir boa capacidade aeróbia pode conferir mais saúde e longevidade do que ter baixos índices de gordura corporal. Mas como ambos são desfechos desejáveis, não parece muito sábio abrir uma disputa entre eles.

E tem mais: da colossal quantia de peso que se esvai com os medicamentos, apenas 60% correspondem à gordura. A outra parte –tão preciosa para a manutenção da saúde metabólica e da funcionalidade– é massa magra (músculo e osso). Adivinhem só quem são seus principais guardiões? Os exercícios e a alimentação saudável. Aliá-los às novas drogas é o óbvio a ser feito.

Os recentes medicamentos antiobesidade representam um avanço espetacular no manejo da obesidade. Se carregarem a mensagem de que o estilo de vida saudável se tornou antiquado, teremos conhecido o mais grave efeito colateral deles.

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