Bruno Gualano

É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

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Bruno Gualano
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Uma lupa nos adoçantes

Adoçantes não são inertes e podem desregular o controle da fome e o metabolismo

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As novas normas para rotulagem nutricional objetivam melhorar a legibilidade das informações acerca dos alimentos embalados. A maior inovação é o rótulo frontal. Para que o consumidor seja devidamente esclarecido, uma lupa foi criada com a função de designar produtos com alto teor de sódio, gordura saturada e açúcar adicionado. Mas seriam os produtos livres do alerta realmente mais saudáveis?

Tomemos o exemplo dos que contêm açúcar adicionado. Manda a nova regra que alimentos sólidos e semissólidos com a adição de 15 g ou mais de açúcar por 100 g de alimento carreguem a lupa. O mesmo vale para alimentos líquidos adicionados com 7,5 g por 100 mL de alimento.

Agora vejamos algumas contradições. Considere dois alimentos com valores adicionados de açúcar bem distintos: um com 15%, outro com 60%. Ambos carregam o mesmo peso da lupa. Agora imagine dois alimentos com teores de açúcar adicionado quase idênticos: um com 15%, outro com 14%. Enquanto o primeiro leva a chaga da lupa, o segundo livra-se dela. Ademais, como vimos, a inclusão da lupa obedece a uma quantidade pré-definida de alimento (100 g ou 100 mL), que não leva em conta o tamanho de sua porção. Daí se infere que, eventualmente, grandes porções de produtos sem a lupa podem oferecer mais açúcar do que pequenas quantias de alimentos com o alerta.

Fotografia mostra o canto direito de uma caixa de ovo de Páscoa que tem uma lupa desenha, em que está escrito: Alto em: açúcar adicionado e gordura saturada
Ovo de Páscoa com nova rotulagem da Anvisa - Otavio Valle/Folhapress

Como se nota, o poder do alerta frontal em discriminar alimentos mais ou menos saudáveis é bastante discutível.

Mas aí vem o pior. Como o consumidor foge da lupa, a indústria foge dela mais do que o diabo da cruz. E a manobra para se safar do temido símbolo, no caso do açúcar, consiste em substitui-lo, parcialmente, por adoçantes (também chamados de edulcorantes), cuja segurança é alvo de controvérsia.

Há pouco, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer enquadrou o aspartame, um adoçante artificial disseminado, como possivelmente cancerígeno, classe ocupada por substâncias que demandam mais e melhores estudos para que sua relação com a doença seja acuradamente estabelecida.

A OMS também conduziu uma ampla revisão sobre o papel dos adoçantes na obesidade, e concluiu que a troca do açúcar por esses aditivos não ajuda a controlar o peso. Se em humanos ainda é dada como incerta a suspeita de que edulcorantes causam ganho de peso, não deixa de ser curioso que estes sejam empregados, com sucesso, na engorda de porquinhos.

A realidade é que os adoçantes estão longe serem inertes como se imaginava.

É o que indica, por exemplo, uma pesquisa conduzida com pessoas saudáveis que consumiram sucralose, um dos adoçantes mais consumidos mundialmente, em conjunto com açúcar. Decorridos 10 dias, avaliações por ressonância magnética revelaram que o combo açúcar-adoçante (que se faz presente na maioria dos produtos) provocou disfunções cerebrais ao gosto doce, com consequente piora na sensibilidade à ação da insulina. Esse achado se reproduziu com maior gravidade em 2 adolescentes, forçando a equipe a descontinuar a investigação com esse grupo, por razões éticas.

E não anda nada fácil escapar dos adoçantes. Se antes eles se restringiam, essencialmente, a produtos "diets" ou "lights", hoje são onipresentes, em franco avanço sobre o mercado infanto-juvenil. Não surpreendentemente, um estudo demonstrou que mais de um terço das pessoas que acreditavam não consumir adoçantes apresentavam traços deles na urina. Sim, caro leitor, à revelia, estamos todos expostos a esses aditivos.

Não há recomendação para que pessoas saudáveis usem adoçantes. Além de não promoverem benefícios à saúde, eles são associados com alterações em bactérias intestinais, distúrbios metabólicos, imunológicos e hormonais, e aumento do consumo alimentar. Além disso, nada se sabe sobre os efeitos combinados de edulcorantes (em que pese que boa parte dos produtos traga dois ou mais deles em sua composição). Tampouco se conhece o impacto ambiental desses aditivos (a sucralose, por exemplo, foi detectada em lençóis freáticos e águas de superfície e residuais).

Ante tudo o que se sabe – e o que não se sabe – sobre a segurança dos edulcorantes, convém evitá-los, assim como os produtos adoçados artificialmente. Na era do "com açúcar ou com adoçante", readaptar o nosso paladar a alimentos naturalmente doces é tarefa das mais árduas. A lupa é um alerta imperfeito para produtos que devem ser evitados, no que se inclui os adoçantes (alô, Anvisa!). Preferir alimentos sem rótulo resta como a recomendação mais sensata.

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