Caminhos da Inovação

Por Paulo Nussenzveig, pró-reitor de Pesquisa e Inovação da USP, e Raúl González Lima, pró-reitor adjunto, coluna examina casos que podem inspirar o Brasil a avançar no setor de inovação

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Descrição de chapéu indústria

Indústria mais inovadora requer geração e absorção de conhecimento novo

Empresas precisam sentir a necessidade de inovar para sobreviver e prosperar

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Em 22 de janeiro, o governo federal anunciou um ambicioso plano para a reindustrialização do país, sob o título Nova Indústria Brasil (NIB). São previstas metas ambiciosas até 2033, com apoio financeiro substancial, de R$ 300 bilhões, sendo R$ 271 bilhões na forma de crédito, utilizando instrumentos do BNDES e da Finep. O plano prevê a aplicação de R$ 66 bilhões no programa Indústria Mais Inovadora, estruturado em torno de missões nos setores de agroindústria, saúde, infraestrutura urbana, tecnologia da informação, bioeconomia e defesa.

O emprego dos recursos deve respeitar a meta fiscal. Amplo debate se estabeleceu no país sobre o plano e aqui trazemos algumas considerações sobre um elemento essencial para a reindustrialização pretendida: a intensidade das atividades de "pesquisa e desenvolvimento" (P&D) realizadas por empresas.

Um ecossistema saudável de inovação é impulsionado por suas capacidades de inovação e de empreendedorismo, que são distintas e complementares, relacionadas pela necessidade de operar em elevada sintonia entre si e com a sociedade. Empresas são atores fundamentais em tais ecossistemas, seja criando conhecimento e tecnologia, seja absorvendo e usando conhecimento criado por terceiros, no país ou fora do país. E faz muito sentido que o plano proposto busque aumentar a capacidade das empresas no Brasil em P&D.

As atividades em P&D feitas por empresas em seus próprios centros e laboratórios não resolvem todo o problema da baixa competitividade, mas são elementos fundamentais para a manutenção e o avanço da capacidade competitiva. Além das atividades internas de P&D, a colaboração em pesquisa de empresas com universidades e institutos de pesquisa contribui também para ganhos de competitividade.

No Brasil, há um amplo consenso de que é preciso criar condições para que empresas intensifiquem sua atividade de P&D e para que o sistema empresarial crie inovações em ritmo maior que o atual. Descarbonização, produção de insumos para a indústria farmacêutica, digitalização da indústria, a estratégia de aumentar a produção de semicondutores nacionais e o aumento das exportações requerem meios de produção e produtos com elevado conteúdo de conhecimento novo. Portanto, necessitamos de muito mais P&D empresarial para criar e absorver conhecimento avançado.

Há desafios significativos para que possa haver mais P&D em empresas. Um indicador importante da capacidade inovadora e de absorção de conhecimento nas empresas é a quantidade de pessoas qualificadas dedicadas a atividades de pesquisa. No Brasil, há ainda poucos pesquisadores empregados em empresas –apenas 18,7% dos pesquisadores no Brasil trabalham em empresas. Na Coreia do Sul, o percentual do total de pesquisadores do país empregados em empresas é de 82%; nos Estados Unidos, 72%; na Irlanda, 55%.

A figura abaixo compara a situação no Brasil com a que se passa em outros 43 países. No lado positivo, há no Brasil uma oferta expressiva de pessoal qualificado em pesquisa. Nas últimas duas décadas, houve um aumento substancial na formação em nível de pós-graduação, passando de aproximadamente 5.000 doutores titulados por ano, no início dos anos 2000, para mais de 20 mil doutores formados por ano atualmente. Parece essencial aumentar a absorção desse pessoal altamente qualificado por nossas empresas.

Porcentagem de pesquisadores empregados em empresas em 44 países
Porcentagem de pesquisadores empregados em empresas em 44 países - OECD MSTI, dados para o ano 2019; Brasil: Indicadores de C,T&I, MCTI, dado mais recente, 2014

Outro ponto muito importante do plano NIB é aquele sobre os incentivos governamentais à inovação em empresas. O Brasil tem um leque amplo de incentivos governamentais para atividades de P&D empresariais e seria oportuno avaliar sua eficácia e aperfeiçoá-los.

É útil analisar a relação entre os incentivos oferecidos e o volume de recursos que empresas dedicam à P&D, o "dispêndio empresarial em P&D" (DEPD), frequentemente medido como porcentagem do PIB.

Há vários países que praticam incentivos e apoio direto à P&D empresarial em intensidade similar à feita no Brasil (medida em porcentagem do PIB) e obtêm como resultado investimento das empresas em P&D bem superior. Alguns exemplos são Alemanha, Japão, Dinamarca, Finlândia e Suíça, segundo os dados disponíveis da OCDE. Essa diferença na eficácia dos incentivos acontece porque o empenho de empresas nos investimentos em P&D não é determinado exclusivamente por incentivos governamentais. Fatores relativos ao ambiente econômico e fiscal são também muito relevantes. Seria importante conhecermos melhor quais são os "desincentivos" ao dispêndio empresarial em P&D existentes no Brasil para que possam ser reduzidos ou eliminados.

Há no Brasil uma reconhecida capacidade de pesquisa em universidades que pode contribuir ainda mais ao desenvolvimento de tecnologias e inovações em empresas. No "Global Innovation Index" (OMPI, 2023), o Brasil aparece na classificação geral na 49ª posição mas, no indicador relativo à qualidade das universidades (QS university ranking, top3), aparece como 23º, e na produção de artigos científicos com alto impacto de citações (Citable documents H-index), aparece como 30º.

Há, portanto, oportunidades a serem exploradas na interação entre universidades e empresas em atividades de pesquisa e inovação. Infelizmente, no Brasil, mede-se pouco a intensidade dessa interação, embora muito dela se fale. Uma medida possível é a contagem de artigos científicos que tenham coautores em empresas e em universidades. A coautoria em artigos científicos revela um tipo de interação especialmente intenso e é um indicador de originalidade e impacto de novas ideias. Desde os anos 1990 houve aumento expressivo na quantidade de artigos científicos publicados por pesquisadores nas universidades com coautores em empresas e é desejável que esse tipo de colaboração cresça ainda mais. Entretanto, a partir de 2010, o ritmo desse crescimento se reduziu.

As coautorias permitem medir, acompanhar e verificar, por exemplo, que o conhecimento novo gerado nas nossas empresas é cada vez mais dependente da parceria com o setor acadêmico. Em 2002, 50% dos artigos científicos com autores em empresas no Brasil tinham também um coautor de alguma universidade brasileira. Entre 2002 e 2022, este percentual cresceu e chegou a 78%.

A tendência de empresas se apoiarem cada vez mais na pesquisa acadêmica parece ser observada também nos países mais desenvolvidos, mas sem atingir o grau de dependência que se verifica no Brasil. Na Alemanha, no Reino Unido, na Holanda e na Suécia o percentual dos artigos com autores em empresas que têm também coautores em universidade esteve, em 2022, entre 42% e 52%.

Fração das publicações de empresas que envolve colaboração com pesquisadores em universidades
Fração das publicações de empresas que envolve colaboração com pesquisadores em universidades - Customized search on Scopus, Elsevier

Interessante que no Brasil, já em 2002, a fração de artigos com autores em empresas que tinham coautores em universidades era mais alta do que a observada na Alemanha, Suécia, Reino Unido e Holanda. Esse dado sugere preocupação, pois indica que o potencial para crescimento da colaboração em pesquisa entre universidades e empresas no Brasil parece estar perto de se esgotar —apenas 20% das publicações de conhecimento novo das nossas empresas correspondem a atividades independentes.

Isso indica uma baixa capacidade das empresas no Brasil de absorverem conhecimentos novos do meio acadêmico e estabelecerem novas colaborações, pois os poucos pesquisadores que possuem já estão alocados em projetos em andamento. Também pode indicar que as empresas que realizam P&D interno são em limitada quantidade.

Como resultado, observa-se um crescimento das colaborações de universidades no Brasil com empresas fora do Brasil, pois estas reconhecem a capacidade aqui existente e dela tiram benefício. Dessa forma, torna-se ainda mais premente o desafio de haver mais empresas no Brasil com atividades de P&D, trazendo um aumento da capacidade de interação.

É bem-vinda a iniciativa governamental de fomentar uma reindustrialização do Brasil e colocar o foco em missões desafiadoras diante das transformações necessárias nos meios de produção para fazer face à crise climática. O Brasil precisa de uma "indústria mais inovadora", e isso só ocorrerá se as empresas sentirem necessidade de inovar para sobreviver e prosperar.

Os investimentos previstos precisam ter acompanhamento para avaliar se produzem aumento da fração de pesquisadores nas empresas, maior qualificação dessas pessoas e maior independência das empresas na geração e absorção de novos conhecimentos.

Este artigo teve em sua elaboração a participação especial do professor Carlos Henrique de Brito Cruz, atual vice-presidente sênior de redes de pesquisa da Elsevier

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