Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Cecilia Machado

Nem renda básica nem emergencial

Não é necessário ser universal para diminuir a pobreza e nossas desigualdades

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Com a improvável retomada da economia em futuro próximo e a importante preocupação com a população que depende de assistências, entram agora em discussão possíveis extensões ao auxílio emergencial, assim como mudanças mais permanentes na nossa rede de proteção social, como a renda básica universal, em substituição ao (BF) Bolsa Família.

Instituído como benefício temporário por três meses, o auxílio emergencial concede R$ 600 mensais por pessoa maior de 18 anos, até o limite de dois benefícios por família ou R$ 1.200 para mães solteiras.

Mantido ad aeternum, adquire contornos de um programa de renda básica universal, que, em sua definição: a) incide em base ampla, não só nos pobres; b) está igualmente disponível para todos, sem foco na composição familiar ou estrutura etária; c) não impõe condicionalidades, como frequência escolar ou busca por emprego.

O programa, que conta com 53 milhões de registros, deve alcançar orçamento de R$ 150 bilhões em três meses. Mais impressionante é a sua comparação com o BF, programa assistencial em sua natureza, que desembolsava em torno de R$ 3 bilhões ao mês antes do auxílio emergencial e agora, em razão dele, alcança R$ 15 bilhões.

O novo desembolso do BF é coerente com o aumento da transferência média de R$ 200 para R$ 1.200, uma vez que a família no programa tem criança(s), cuja mãe é solteira quando inexiste um segundo adulto no domicílio.

O auxílio representou alta de 500% nas transferências feitas às famílias do BF e de ao menos 60% da renda domiciliar, considerando cenário mais adverso no qual as famílias beneficiárias estão no limite superior de qualificação para o programa —R$ 178 per capita nas famílias com três pessoas, tamanho médio das que estão no programa— e perdem toda sua renda.

O aumento no valor do BF deixa evidente a baixa transferência antes feita aos pobres quando os equiparamos aos informais que agora perdem seus empregos. Mas o auxílio emergencial, tal qual desenhado e implementado, introduz diversas distorções na nossa rede de proteção social. Ele não é a melhor alocação de recursos que visam reduzir nossas desigualdades, mesmo se considerarmos a expansão de recursos destinados às assistências.

Primeiro, a universalização expande a base de beneficiários, que no caso do auxílio emergencial abrange os 19 milhões de CPFs do BF, como também outros 30 milhões de CPFs. Como a cobertura do BF é focada —alcança e incide onde está a pobreza—, a expansão da base diminui a focalização do programa. Em tempos de orçamento escasso, expandir a base tem menos custo-efetividade que aumentar as transferências para quem realmente precisa.

Segundo, o auxílio emergencial considera os adultos, mas negligencia as crianças. Trata de forma desigual famílias com crianças, esquecendo que a pobreza se concentra nelas. Ignora que pobreza é medida em termos per capita, e não por adulto, ao limite de dois. Também despreza que o retorno da transferência é muito maior entre as crianças, com conhecidas externalidades para a sociedade, já que as torna mais produtivas e menos dependentes de assistências quando crescem.

E, terceiro, é claro que condicionalidades são importantes, pois investimentos em capital humano, via educação ou mercado de trabalho, são as verdadeiras engrenagens da mobilidade social.

Não é necessário ser universal para diminuir a pobreza e reduzir nossas desigualdades. Nem gastar mais para ser eficaz. Fortalecer e unificar as transferências dentro do Bolsa Família, garantindo condições dignas que valem para os pobres, para os informais ou para qualquer pessoa que venha a perder seus rendimentos —criança, idoso ou adulto desempregado—, é estratégia mais condizente com a nossa realidade econômica e com o princípio de justiça social.

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