Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Transparência salarial reduz assimetrias no mercado de trabalho

É uma intervenção de baixo custo e alta efetividade, sem muito juízo de valor

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A ideia por trás de uma política de transparência salarial é expor as diferenças de remuneração entre homens e mulheres e transferir para as empresas a responsabilidade de endereçar os motivos para tal diferença.

Funciona mais ou menos assim. Um consumidor que se preocupa com as desigualdades de gênero existentes na sociedade deixa de consumir produtos e serviços de empresas que têm um diferencial muito alto. Nesse caso, a empresa perde mercado. E uma trabalhadora, quando toma ciência do gap salarial em sua empresa, passa a negociar salários mais altos ou então migra para empresas onde o diferencial é menor. Se isso ocorrer, a empresa perde talentos.

Quando as informações sobre as diferenças salariais se tornam públicas, as empresas, atuando em seu melhor interesse, passam a elaborar um plano de ação mais eficaz.

Foi assim que aconteceu no Reino Unido em 2017, quando o governo estabeleceu que empresas com 250 ou mais funcionários passariam a reportar diversas estatísticas de salário e bônus para homens e mulheres. Em 2018, com a publicação do primeiro relatório, não tardou para que o noticiário prontamente listasse as empresas com as piores performances.

No ramo dos jornais, por exemplo, o Telegraph reportou em 2017/2018 um diferencial médio de 35%, com 74,1% de homens no maior quartil de remuneração da empresa. Em 2022/2023, a fotografia foi outra: o diferencial médio passou a ser de 25%, com 62% de homens no quartil superior. Todos os números dessa iniciativa encontram-se aqui.

Alguns estudos, como este, já são capazes de estabelecer que políticas de transparência de fato reduzem as desigualdades salariais. Considerando que homens e mulheres têm diferentes posturas na negociação salarial, como documentado em "Women Don't Ask: Negotiation and the Gender Divide", a provisão de informação pode fazer com que as mulheres passem a negociar em melhores termos, conforme mostra este trabalho.

A maior parte dos estudos sobre as políticas de transparência encontra efeitos positivos e promissores (como mostra esta revisão), ainda que políticas de transparência salarial possam ser alvo de algumas críticas –a redução do gap salarial entre homens e mulheres pode vir acompanhada da redução do salário médio na empresa como um todo.

Nesse sentido, a publicação semestral de relatórios de transparência para empresas com cem ou mais funcionários, conforme consta do projeto de lei 1.085/23, é um belo avanço na agenda das reduções das desigualdades do país, ainda que a periodicidade da divulgação (semestral) e em quais empresas a legislação incide (cem ou mais funcionários) tragam alguns questionamentos.

Resta, por fim, a pergunta: seria possível inferir algum tipo de comportamento discriminatório das empresas com base nos resultados obtidos?

O fato é que atribuir discriminação baseando-se apenas no diferencial de salários pode ser muito falacioso, já que mesmo a comparação de salários de indivíduos de uma mesma escolaridade e exercendo a mesma função não é capaz de levar em conta que a taxa de sucesso das mulheres em alcançar alguns cargos de alto salário (tradicionalmente ocupados por homens) é baixa.

No caso do Reino Unido, a iniciativa divulga um roteiro para a interpretação dos resultados, que vão desde a verificação de desbalanceamentos que ocorrem no processo de seleção e recrutamento, nas promoções e nas retenções de funcionários até a forma como é feito o processo de avaliação e o suporte dado através de licenças parentais.

A política de transparência é acertada quando se tem em mente que diferenças nas remunerações aferidas não necessariamente refletem comportamento discriminatório das empresas. A transparência atua por outros canais. Ela reduz assimetrias e fricções no mercado de trabalho, permitindo que trabalhadores negociem seus salários e promoções de uma forma melhor. É uma intervenção de baixo custo e alta efetividade, que demanda apenas dar publicidade aos fatos, sem muito juízo de valor.

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