Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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A lógica do novo arcabouço fiscal

Ideia de gastar primeiro e arrecadar depois é bastante arriscada

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O novo arcabouço fiscal, que foi aprovado na semana passada no Congresso e segue para sanção presidencial, trouxe uma importante inovação na forma pela qual o governo atua para alcançar os resultados fiscais prometidos. A partir de agora, os gastos crescem em termos reais, com receitas que se ajustam para garantir uma meta predefinida. Nessa nova lógica, para cumprir a meta de resultado primário é preciso arrecadar mais. O ajuste, feito de forma sequencial, toma como dada a expansão da despesa para definir o quanto precisa ser arrecadado.

Mas em que medida as ações que o governo define hoje seriam capazes de influenciar a arrecadação do ano seguinte? Do ponto de vista político, sabemos que mexer em benefícios tributários dados a grupos de interesse específicos são muito difíceis de serem implementados. Os exemplos recentes são inúmeros.

Na reforma tributária sobre o consumo que o Executivo enviou ao Congresso Nacional, foram mantidos tratamentos diferenciados ao Simples Nacional e à Zona Franca de Manaus, apesar de haver pouca evidência de que benefícios dados a esses segmentos deveriam ter prioridade no Orçamento. E substitutivo da Câmara ao texto, enviado ao Senado, ampliou ainda mais os segmentos que teriam redução de alíquota, diluindo o alcance do novo tributo.

Até mesmo mudanças que colocam o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda estão encontrando resistência do Parlamento, a exemplo da medida provisória que prevê a tributação das offshores como forma de financiar o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda.

Um terceiro exemplo está nas isenções tributárias sobre as importações de pequeno valor, que o governo pretendia eliminar. Após o enorme desgaste sofrido com o anúncio do fim das isenções, o governo precisou recuar, com esclarecimento da Secretaria de Comunicação de que "o presidente Lula não quer nenhuma mudança que envolva o tipo de situação fiscal e legal que garante à pessoa física esse tipo de tributação".

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Marcelo Camargo/Agência Brasil

Para 2024, o crescimento das despesas será de 2,5% (em termos reais), com uma promessa de um resultado primário zerado já em 2024, o que requer um aumento de receitas considerável. Entre as novas medidas que deverão ser apresentadas –como a tributação de fundos exclusivos ou o fim da dedutibilidade dos juros sobre capital próprio–, há incertezas relacionadas aos seus impactos fiscais e em relação ao apoio que irão receber do Congresso. E entre as medidas que já foram apresentadas, algumas, como a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, não estão se refletindo na arrecadação da forma esperada.

Soma-se a tudo isso o fato de grande parte dos bons resultados fiscais dos últimos anos terem sido decorrentes de fatores pontuais, como a elevação de preços de commodities, o expressivo crescimento da economia na reabertura e a política de dividendos das empresas estatais, que não devem se repetir no ano que vem. Uma queda mais acentuada da arrecadação decorrente da desaceleração da atividade —que deve crescer em torno de 1%— e da redução de receitas relacionadas ao setor extrativo —que passou de 1,0% para 2,5% do PIB entre 2020 e 2022, mas que está em trajetória de queda desde então— trará ainda mais desafios ao cumprimento da meta fiscal de 2024.

Um ajuste pelo lado da receita para fazer frente à expansão de gastos autorizada pelo novo arcabouço fiscal exige medidas impopulares, como o aumento da arrecadação de impostos, a retirada de benefícios fiscais ou a cobrança de valores devidos que não foram pagos. Todas essas medidas aumentam a carga tributária, mas enfrentam enorme resistência da sociedade, considerando que a carga no Brasil, em 33,5% do PIB em 2021 (OCDE), é uma das maiores entre países emergentes. Além disso, é difícil precisar a reação dos agentes a essas novas medidas.

Aumentos adicionais na arrecadação do governo afetam as decisões de poupança, de trabalho e de acumulação de capital humano das pessoas, e de produção, de investimento e de inovação das empresas, trazendo implicações importantes para o crescimento da economia.

A lógica de gastar primeiro e arrecadar depois é bastante arriscada do ponto de vista prático.

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