Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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O novo arcabouço: simples, previsível e crível?

Não há mecanismos que garantam de forma crível a observância da promessa

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Simplicidade, previsibilidade e credibilidade. Esses são três importantes princípios de um arcabouço fiscal que busca garantir estabilidade macroeconômica e criar condições para o crescimento. Uma regra simples é aquela que todos entendem e que comunica de forma clara as contrapartidas envolvidas nas escolhas. Já a previsibilidade permite inferir a evolução do gasto público ao longo dos anos e quais ajustes se farão necessário para garantir a solvência do estado. Por fim, uma regra é crível quando estabelece condições para o governo cumprir o que prometeu. Seria o arcabouço recém-anunciado simples, previsível e crível?

Em linhas gerais, o arcabouço estabelece o crescimento das despesas em função da arrecadação —com limites definidos no primeiro ano do novo governo para os quatro anos à frente— e uma meta de superávit primário (e projeções para os três anos seguintes) estabelecida anualmente em cada LDO. Os parâmetros, definidos a cada ciclo político, determinam a regra. Para os próximos quatro anos, o governo estabeleceu o crescimento real da despesa em 70% do crescimento real da arrecadação, não podendo ser menor que 0,6% nem maior que 2,5%, com um equilíbrio entre despesas e receitas (primário zerado) no ano que vem. Ao todo, esta é uma regra claramente expansionista, cujo ajuste se dá pelo lado da arrecadação, e implica o aumento de receitas na ordem de R$ 150 bilhões já em 2024.

Fernando Haddad em entrevista no Palácio do Planalto - Ueslei Marcelino - 18.abr.23/Reuters

Por mais que possam existir diversas alternativas para ampliar a arrecadação, seja por meio da revisão de desonerações —como no caso da volta dos impostos sobre combustíveis—, com incentivos fiscais —como na Zona Franca de Manaus— ou até com a eliminação de brechas tributárias —como no imposto sobre mercadorias importadas de pequeno valor—, nossa história recente mostra que esses são ajustes impopulares e de difícil implementação.

Em 2024, o governo conta com arrecadação que vem da tributação de benefícios fiscais do ICMS, cujo impacto fiscal, estimado em R$ 80 bilhões, além de ser incerto, depende do entendimento do STJ se esses podem ser incluídos na base de cálculo do IRPJ e CSLL devidos à União.

Com relação ao funcionamento da regra, pode-se dizer que os critérios estabelecidos para a evolução dos gastos são objetivos, mas seus cálculos dependem de variáveis que são extremamente difíceis de projetar mesmo em um curto espaço de tempo, como 2 a 3 anos à frente. Por exemplo, as projeções para o crescimento real da receita dependem de inúmeros fatores, que vão desde crescimento até preços de commodities. E, quanto maior o horizonte, maiores são as incertezas sobre eles. Uma regra que depende de muitas variáveis desconhecidas (ou de premissas sobre o cenário econômico) perde simplicidade.

Além disso, a definição de uma meta de primário a cada LDO amplia as incertezas sobre a trajetória de primário que será perseguida nos quatro anos de governo, já que a definição de uma meta dissonante das projeções anteriores não é vedada. Dito de outra forma, por mais que a LDO estipule projeções de primário para os anos seguinte, a meta sempre pode mudar quando houver frustração de arrecadação, já que o não cumprimento da meta em um ano reduz o crescimento da despesa no ano seguinte (50% em vez de 70% do crescimento real da arrecadação). Isso faz com que as projeções de primário divulgadas na LDO deem pouca previsibilidade para a evolução da dívida ao longo de um governo.

E, considerando que cada novo governo pode redefinir os parâmetros do arcabouço de acordo com suas preferências, exercícios de projeção da trajetória da dívida pública por mais de quatro anos à frente adquirem aspecto de futurologia. Uma regra que muda a cada ciclo político não serve ao propósito de ancorar as expectativas de solvência do Estado.

Por fim, cabe notar que o novo arcabouço não dá subsídios para que o governo faça contingenciamento de gastos em caso de frustração de receitas nem caracteriza o não cumprimento da meta de resultado primário como crime de responsabilidade fiscal, diminuindo a chance de cumprimento do plano de voo estabelecido na LDO.

Muitos argumentam que uma das grandes vantagens do novo arcabouço é dar flexibilidade para que o governo eleito implemente as políticas que o elegeram. Nada mais justo. Mas uma regra complexa, que depende de variáveis incertas, com parâmetros que são redefinidos a cada ciclo político, dão pouquíssima previsibilidade para a trajetória da dívida, especialmente na ausência de mecanismos que garantam, de forma crível, a observância da promessa.

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