Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Cecilia Machado
Descrição de chapéu China

Demografia e o crescimento do consumo na China

Rebalanceamento da economia chinesa deve se adaptar às mudanças populacionais em curso no país

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Nas últimas décadas, a contribuição da China para o crescimento global foi expressiva. Beneficiada pela expansão das exportações de bens industrializados para o mundo e pelo forte direcionamento de recursos para investimentos em infraestrutura e habitação, o país tornou-se responsável por cerca de 20% do PIB global, alcançando a posição de segunda maior economia do mundo.

Neste período, o papel da formação bruta de capital fixo para este resultado superou o do consumo, mas mudanças recentes na estrutura demográficas da China, aliadas à reorganização das cadeias de produção globais, indicam que as oportunidades de crescimento da economia chinesa devem se voltar, cada vez, mais para o consumo interno.

O fraco desempenho do setor imobiliário recente reflete bem o impacto das mudanças demográficas que foram evidenciadas no Censo de 2020. Na última década, a população cresceu muito mais lentamente que o esperado, e é provável que atinja o seu pico nos próximos anos.

Depósito de cabos de aço em Dalian, na China
Depósito de cabos de aço em Dalian, na China - Reuters

A taxa de urbanização também surpreendeu, com 64% da população em áreas urbanas, comparada a taxa de 50% da década passada. Com uma população que cresce a taxa mais baixas e se torna mais urbana, isto significa uma demanda por espaço e por novas construções menor, e um setor imobiliário menos pujante.

Se de um lado o crescimento populacional e desenvolvimento das áreas urbanas devem delinear uma nova configuração para a construção civil —baseado muito mais na reforma e reconfiguração de unidades existentes do que na construção de novas casas— de outro, o aumento da escolaridade aponta para prováveis ganhos de produtividade na economia decorrentes de uma mão de obra que também se tornou mais qualificada ao longo do tempo. Tais ganhos de produtividade são fundamentais para sustentar o crescente envelhecimento da população, que não apenas onera o sistema de pensões, como também amplia os custos do sistema de saúde.

Entre 2010 e 2020, o percentual da população com diploma universitário passou de 9% para 15%. Ao ritmo atual de 9 milhões formados por ano, este percentual pode superar 20% já no próximo ano, e, em perspectiva comparada, se tornar cada vez mais próximo da taxa americana, em 37%. A expansão de acesso ao ensino universidade está por traz deste resultado, e torna-se tanto mais evidente quando se considera a evolução dos ganhos educacionais dos mais jovens.

Ao passo que em 2000 eram apenas 950 mil graduados, menos de 6% das 17,5 milhões de pessoas nascidas em 1978, espera-se para este ano algo em torno de 10 milhões de graduados, o que representa quase 60% da população nascida em 2001.

Apesar de esta ser boa notícia para a acumulação de capital humano na China e para ganhos em crescimento potencial, o aumento da oferta traz desafios de curto prazo para o desempenho do mercado de trabalho.

Um descasamento estrutural entre os tipos de emprego disponíveis na economia e as carreiras almejadas pelos jovens graduados tem por consequência uma demanda muito menor pelos empregos de chão de fábrica ou em construção civil que estavam disponíveis para as gerações anteriores.

Grande parte das aspirações dos jovens chineses de hoje encontra-se em áreas de tecnologia, mas a criação de vagas no setor vem sendo substancialmente impactada pela regulação e restrições que vem sendo impostas às empresas do setor.

Formatura na Universidade de Wuhan, na China - AFP

Melhores perspectivas de emprego representam ganhos de renda para as novas gerações, e integram um importante pilar para que o crescimento da economia se volte para o consumo interno. À medida que um contingente cada vez maior da população busca o ensino universitário, os necessários ajustes que precisam ocorrer no mercado de trabalho somam-se ao desafio de manter o padrão de vida de milhões de chineses que saíram da situação de pobreza nos períodos de alto crescimento da economia.

O rebalanceamento do crescimento da economia chinesa para o consumo está em linha com estratégia de dupla circulação defendida pelo governo, que dá maior peso ao consumo doméstico, ou circulação interna, sem abandonar a exportação, ou circulação externa, e deve implicar em taxas de crescimento mais modestas para a economia chinesa nos próximos anos ao longo desta transição. Neste rebalanceamento, a reconfiguração dos setores de habitação, educação e saúde para promover a chamada prosperidade comum precisarão se adaptar às mudanças demográficas em curso na China.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.