Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Mudar a meta de primário é o fim de um arcabouço que não começou

Cumprir a meta representa compromisso com trajetória sustentável para a dívida

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"Se o Brasil tiver um déficit de 0,5% (do PIB), o que que é?" Esse questionamento abriu espaço para a discussão de uma possível mudança na meta de resultado primário para 2024, estabelecida em zero no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) que foi encaminhado pelo próprio governo há poucos meses.

Então, qual seria o custo da mudança da meta? Em termos monetários, 0,5% do PIB corresponde a R$ 50 bilhões. Pouco quando comparado aos demais gastos do Orçamento público. Mas muito quanto consideramos que o cumprimento da meta representa, de forma mais ampla, o compromisso com uma trajetória sustentável para a dívida pública.

Lula e Haddad no Palácio do Planalto - Ueslei Marcelino - 25.mai.23/Reuters

O déficit zero foi uma promessa feita pelo governo para viabilizar a aprovação do novo arcabouço fiscal, já que a expansão de gastos determinada por ele requer aumento de receitas para garantir o equilíbrio das contas públicas.

Assim, uma mudança de meta poucos meses após a aprovação do novo arcabouço fiscal acaba com o argumento que embasou sua aprovação: a de que é possível ajustar as receitas para fazer frente a uma determinada escolha de gastos. Ou de que é possível ter previsibilidade sobre receitas que exigem aumento de impostos.

Pior, a mudança de meta na primeira dificuldade deixa escancarada a baixa disposição do governo em realizar ajustes quando ocorre frustração das receitas previstas, especialmente quando já existem mecanismos estabelecidos para lidar com essa situação, a exemplo do contingenciamento de recursos.

De acordo com o novo arcabouço fiscal, descumprir a meta de primário não configura infração à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) desde que sejam adotadas medidas de limitação de empenho e pagamentos ao longo da execução orçamentária: à medida que as estimativas de receitas e despesas primárias são atualizadas, o contingenciamento de recursos atua para corrigir desvios em relação à meta planejada.

Apesar de ser obrigatório, o contingenciamento está limitado a apenas 25% das despesas discricionárias, ou aproximadamente 0,6% do PIB. Ele não garante o cumprimento da meta, mas torna o resultado mais próximo do planejado. Se tomarmos como base as expectativas de primário do relatório Focus, em -0,8% do PIB, um contingenciamento de 0,55% já permite alcançar o limite inferior da banda de tolerância com a meta em zero (-0,25% do PIB).

O contingenciamento é a única ferramenta capaz de minimizar os impactos de estimativas muito otimistas de receita, além de fazer com que o governo corra atrás das receitas que prometeu. Quais os incentivos em se aprovar medidas arrecadatórias impopulares quando a meta pode ser alterada a qualquer momento? Vale lembrar que o contingenciamento obrigatório foi uma mudança proposta pelo relator do projeto na Câmara ao texto do arcabouço encaminhado pelo governo. Pois se o governo se compromete com um resultado fiscal, por que não criar mecanismos para garantir que ele seja alcançado?

É preciso deixar claro que uma eventual mudança de meta de primário apenas serve ao propósito de burlar o contingenciamento de recursos que foi exigido pelo Congresso na aprovação do arcabouço.

Então, quanto custa mudar a meta fiscal? Se a meta passar para -0,5% em 2024 e o governo prometer zerar o déficit em 2025, você acreditaria? A mudança da meta destrói dois importantes pilares que qualquer regra fiscal deve ter: credibilidade e previsibilidade. Não são apenas R$ 50 bilhões. Mudar a meta de primário agora custa o fim de um "novo" arcabouço fiscal que nem sequer teve a chance de começar.

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