Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Descrição de chapéu maternidade

Licença-paternidade: detalhes de implementação importam muito

Será preciso estabelecer quantidade de dias, se será obrigatória e se haverá remuneração

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A licença-paternidade foi instituída no Brasil em 1988 pela Constituição Federal e teria duração de cinco dias até que fosse regulamentada por legislação específica. Na semana passada, uma ação direta de inconstitucionalidade julgada pelo STF deu prazo de 18 meses para que o Congresso Nacional enfim se manifeste sobre essa questão, pondo fim a 35 anos de omissão legislativa relacionada ao direito à licença-paternidade.

O entendimento do STF dá um passo histórico na direção de reconhecer que o cuidado com filhos pequenos é também responsabilidade do pai e que ele, assim como a mãe, deve ter o direito de se afastar de seu trabalho para cuidar do recém-nascido por mais tempo que apenas os simbólicos cinco dias estipulados de forma provisória.

Políticas de licença-paternidade são promovidas com base na evidência de que a participação ativa do pai não apenas favorece o desenvolvimento infantil, como promove a igualdade de gênero. Estereótipos de gênero relacionados ao cuidado com os filhos se estabelecem desde cedo e pequenas mudanças na experiência dos pais após o nascimento dos filhos podem ter implicações muito mais amplas, já que pais que tiram licenças tornam-se envolvidos no cuidado dos filhos não apenas quando são pequenos, mas durante todo a vida da criança.

No Canadá, por exemplo, a experiência de quotas de licença direcionadas ao pai –isto é, um período da licença exercido exclusivamente por ele— resultou na redução de especializações de tarefas entre os gêneros. Ao passo que as mães aumentam a chance de estarem empregadas e trabalharem mais horas, os pais passaram a fazer mais tarefas domésticas. Assim, a licença-paternidade foi responsável por uma redistribuição de responsabilidades dentro da família, fazendo com que tanto pais quanto mães pudessem participar de forma mais equilibrada no mercado de trabalho e nas tarefas domésticas.

Mudança de comportamento no ambiente doméstico são importantes, já que grande parte das diferenças entre os gêneros no mercado do trabalho ainda está associada ao nascimento dos filhos. A licença paternidade mostra que há espaço para alterar, ao longo das novas gerações, as normas sociais e culturais que associam as mulheres aos cuidados com as crianças.

O educador Humberto Baltar, do coletivo Pais Pretos Presentes, com o filho, Apolo - Eduardo Anizelli/Folhapress

Mas, como em toda política pública, os detalhes de implementação importam. Para além da quantidade de dias, o Congresso Nacional terá que decidir se a licença-paternidade será remunerada ou não, obrigatória ou facultativa, concomitante à licença-maternidade ou exercida após o fim dela. Afinal, a partir do momento no qual ambos os pais passam a ter direito a um afastamento mais longo, os benefícios concedidos aos dois membros precisam ser articulados de forma conjunta.

Muitos países desenvolvidos já adotam modelos de licenças de escopo familiar –onde o direito à licença é oferecido aos dois responsáveis pelo recém-nascido, independentemente do gênero–, que permitem que um tempo de afastamento seja reservado aos pais (como no caso do Canadá) ou que garantam um tempo maior de licença para a família quando o pai também exerce a licença (como no caso da Suécia).

Entender o motivo pelo qual os pais raramente optam por usufruir da licença é crucial para o sucesso da regulamentação da nova licença-paternidade no Brasil.

Seria por conta de considerações financeiras da família? Nos Estados Unidos, o exercício da licença por parte dos pais vem aumentando ao longo do tempo em resposta à política de licenças remuneradas.

Ou a baixa adesão se dá por conta da falta de flexibilidade nos regimes de licença parental? Se os pais se interessam apenas por um tempo limitado e moderado de afastamento, a equiparação da licença-paternidade à licença-maternidade –conforme entendimento defendido pela então ministra Rosa Weber– pode se mostrar um equívoco.

A enorme variedade de modelos de licença-paternidade ao redor do mundo e o entendimento detalhado sobre cada uma dessas experiências trazem perspectivas promissoras para a regulamentação da licença-paternidade no Brasil.

Meus votos de fim de ano são para que tiremos proveito dessa oportunidade para definir uma licença-paternidade que fortaleça os vínculos entre pais e filhos e que avance na direção de uma maior equidade entre os gêneros.

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