Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Descrição de chapéu maternidade

Penalização da maternidade segue viva e passa bem

Soluções políticas, como licença parental remunerada, precisam ser combinadas com mudanças na cultura de criação de filhos

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Todos nós sabíamos que a maternidade tinha custos. No entanto, os custos da maternidade nos salários das mulheres são muito mais altos do que se pensava, e mesmo em situações nas quais poderíamos esperar que não existissem.

Um estudo recente que acabamos de publicar no Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) documenta que os rendimentos das mulheres caem pela metade após o parto. A chamada penalização da maternidade se aplica em empresas lideradas por mulheres e mesmo quando a mulher é o "ganha-pão" da família (quando ela ganha mais que ele). A questão que intriga economistas, como nós, é: por quê?

Soluções políticas para o problema, como licença parental remunerada, precisam ser combinadas com mudanças na cultura de criação de filhos - Half Point/Adobe Stock

Por um lado, as mulheres têm feito ganhos históricos, especialmente nos Estados Unidos, de onde vêm os resultados da nossa pesquisa. Enquanto apenas 1 em cada 3 mulheres ingressou na força de trabalho após a Segunda Guerra Mundial, hoje quase 2 em cada 3 o fazem, um aumento considerável. As mulheres também já superam os homens em escolaridade, desfrutando assim de uma importante vantagem em capital humano.

Apesar de tanto progresso, velhos hábitos patriarcais morrem lentamente. Isso fica mais evidente nas carreiras das mulheres após o nascimento dos filhos. A maternidade afeta os rendimentos das mulheres por pelo menos seis anos após o parto. E como a paternidade afeta os rendimentos dos homens? Não muito. Os rendimentos dos homens caem um pouco logo após o nascimento de um filho, mas se recuperam rapidamente e voltam à trajetória de rendimentos anterior ao nascimento.

Poderia ser que melhores condições no ambiente de trabalho ou mudanças na composição da alta gerência pudessem mudar este quadro. Mais mulheres em níveis superiores de gestão resultam em políticas de trabalho mais favoráveis para as novas mães. Infelizmente, de acordo com nossos dados, isso não ocorre. Mesmo em empresas que esperávamos ser mais amigáveis às mães –aquelas com funcionárias em sua maioria ou com uma chefe mulher– a penalização da maternidade permanece, infelizmente, inalterada.

Alternativamente, poderia haver racionalidade econômica quando o parceiro que ganha menos se dedica mais à criação dos filhos e menos ao mercado de trabalho. Como as mulheres geralmente ganham menos do que os homens, a penalização da maternidade no mercado de trabalho poderia vir daí. No entanto, nossa análise também refuta essa ideia. Em famílias onde a mulher ganha mais do que o homem, encontramos, surpreendentemente, uma penalização ainda maior. Os principais provedores da família que são mulheres experimentam uma queda de 60% nos rendimentos após o parto. Enquanto isso, os homens que ganhavam menos do que suas parceiras veem seus rendimentos continuarem a aumentar.

A penalização da maternidade é um fenômeno global, sendo a principal causa da desigualdade salarial geral entre os gêneros, como mostram diversas outras pesquisas. Corrigi-la deveria ser questão de alta prioridade, já que tanto homens quanto mulheres desfrutam dos benefícios de ter filhos, enquanto os rendimentos das mulheres são diferencialmente sacrificados.

A penalização da maternidade deixa as mulheres em uma posição econômica mais fraca e, portanto, mais dependentes de seus parceiros. Essa dependência é particularmente relevante nos EUA –tendo em vista uma rede de proteção social que é limitada em comparação com outros países desenvolvidos– mas também em países como o Brasil, onde a baixa disponibilidade de creches agrava a situação de dependência, e cria condições para a violência doméstica se manifestar.

Resta, senão, inferir que a penalização da maternidade é uma questão cultural. Para casais suecos em que a mulher ganha mais, a penalização da maternidade é praticamente eliminada. As normas de cuidados com os filhos são claramente diferentes nos países escandinavos, onde espera-se que os homens assumam o papel de pais. Dê uma volta em um parque de Estocolmo e você encontrará tantos pais quanto mães, algo que não se vê em Nova York, muito menos no Brasil. Aqui, as mulheres que não buscam seus filhos na escola são questionadas, enquanto os homens que passam tempo com seus filhos são vistos como heróis.

Reverter a penalização da maternidade no mercado de trabalho envolve enfrentar séculos de normas patriarcais arraigadas no ambiente de trabalho e em casa. Acreditamos que as soluções políticas, especialmente a licença parental remunerada, como encontrada em outros países ricos, precisa ser combinada com mudanças fundamentais na cultura de criação de filhos.

As novas mães já arcam com as maiores responsabilidades na criação dos filhos. Justo elas não deveriam ser também penalizadas em seus rendimentos.

Este texto foi escrito em parceria com Douglas Almond e Yi Chen

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