Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Precisamos mesmo falar sobre o Cadastro Único

Será preciso aprimorar a gestão do registro se ele passar a servir de régua para a concessão de benefícios

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É inegável que o Cadastro Único representa um registro de enorme valor para as políticas públicas. Através dele, programas assistenciais, como o Bolsa Família, alcançaram sucesso. Mas essas conquistas não deveriam servir de blindagem para discutirmos se o Cadastro continua atendendo o que se pretende com ele.

Chama a atenção a discrepância entre o número de famílias pobres no Cadastro Único e em pesquisas amostrais, como a PnadC. Entre 2017 e 2022, ele passou de 13,5 milhões para 15,7 milhões na PnadC, ao passo que o número aumentou de 15 milhões para 24,6 milhões no Cadastro. A diferença entre os dois aumentou de 10% para 36% em apenas cinco anos. Isso poderia indicar deterioração da qualidade do Cadastro Único?

Há quem diga que não, pois PnadC e Cadastro Único medem a pobreza de forma distinta. Na PnadC, a pobreza é medida de forma estática (uma foto), ao passo que no Cadastro a pobreza é medida de forma dinâmica (um filme). É esperado que a pobreza aferida ao menos uma vez ao longo de diversos períodos identifique mais famílias pobres que uma medida aferida em um único período. A volatilidade da renda faria com que as famílias entrassem e saíssem da pobreza frequentemente. Então não chega a ser surpresa que a pobreza dinâmica seja maior que a pobreza estática, conforme estudo do Ipea do mês passado.

Reprodução de tela do novo Mops (Mapas Estratégicos para Políticas de Cidadania), uma das ferramentas abastecidas com informações do Cadastro Único
Reprodução de tela do novo Mops (Mapas Estratégicos para Políticas de Cidadania), uma das ferramentas abastecidas com informações do Cadastro Único - Reprodução MDS

Mas essa explicação não parece dar conta do aumento da diferença entre PnadC e Cadastro ao longo do tempo. Fosse esse o caso, a variabilidade da renda também deveria estar aumentando —colocando mais famílias em situação de pobreza ocasional—, o que não parece ser o caso. No próprio estudo do Ipea, as diversas medidas de pobreza dinâmica mantiveram-se relativamente estáveis ao longo dos anos analisados. Além disso, é pouco plausível que a variabilidade da renda tenha aumentado recentemente, considerando o forte crescimento da economia por quatro anos consecutivos e um mercado de trabalho bastante dinâmico, com taxa de desemprego no menor valor da série histórica.

Haveria alguma explicação alternativa para essa discrepância? Sabemos que os incentivos importam. Como a renda no Cadastro Único é autorreportada, seria uma enorme ingenuidade assumir que a declaração que é feita pelas famílias não respondesse aos benefícios que são concedidos através do Cadastro.

Muita coisa mudou nos últimos anos, seja no orçamento direcionado ao Bolsa Família —de R$ 30 bilhões para R$ 160 bilhões—, seja nas regras do programa —o valor mínimo por família foi incorporado ao programa no pós-pandemia—, seja no uso do registro para implementar outras assistências —BPC, Pé-de-Meia, cashback da reforma tributária e o agora em discussão Auxílio-Gás. Quanto maiores o número e o valor de benefícios concedidos através do Cadastro, maiores são os incentivos à subdeclaração da renda.

Se o Cadastro realmente passar a servir de régua para a concessão de vários programas, será preciso aprimorar a sua gestão. Apenas assim ele poderá continuar a ser um instrumento eficiente para a redução da pobreza e a diminuição das desigualdades, como foi no passado.

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